Manuel Igreja

Manuel Igreja

Um olhar em Janeiro

Não sei se será por causa do frio nestes dias de início de ano, mês de janeiro, aquele de que eu mais gosto por razões cá muito minhas, mas confesso que quando me quedo um pedaço a mirar o que vai pelo mundo, dá-me a sensação de que a coisa anda em desnorte.

Olha uma pessoa lá para fora, para o estrangeiro, e então só topa com coisas sem tino e de fazer desatinar. O mundo foi sendo encaminhado ao gosto e interesse de muito poucos que conseguem agora ter quase tudo, e o medo foi-se instalando que nem doninha em campo de cenouras.

Campeia. Instalou-se e desinstalou o sossego, a segurança e a intolerância, criando um tempo cada vez mais triste de lembrar épocas de más memórias, como se em décadas se haja perdido a noção do que aconteceu, assim como o saber-se que nada custa ao mal repetir-se refinado e mais destruidor.

Como outrora, mesmo que poucas luas se tenham passado, surgem os salvadores afirmando que só eles sabem o caminho. Como se o calendário ainda se mantivesse na mesma folha, as multidões sedentas de afago vão-lhes na peugada porque lhes garantem que o futuro mercê deles continuará a ser o lugar para onde todos vamos.

Quer dizer, todos, não, só os que interessam. Os que supostamente estorvam o canto ao sol, ficam à força pelo presente, porque não se pode mandá-los para o passado. Mais não seja, mandam-se para longe da vista e para longe do coração.

A paz reinará no reino prometido, mas não devido, e os sonos soltam-se no aconchego da almofada, verdadeira fronteira entre o campo da angústia permanente e a terra do nunca situada para lá do arco-íris pintalgado com as cores da demagogia, da mentira e da má índole embrulhada em fel.

Num mundo de ilusões vãs, cada demónio acorrentado dentro de cada cidadão exemplar está pronto a soltar-se. Vivendo-se tontamente na roda oleada do parecer, a sociedade gira e dá força aos calhandreiros. Enquanto isso, a roda do ser, apodrece desprezada e não usada. Impera o instantâneo porque não há tempo nem disposição para a espera, e muito menos para a ponderação.

Olhando para mais perto e de mais junto, para Portugal, será também por estarmos no especial mês de janeiro, confesso que apesar do muito sem nexo em muitas coisas, quase diria que há razões para sermos invejados pelos estrangeiros que muito reverenciamos.

O nosso barco navega à vista e ao sabor dos sopros vindos da Europa desde há vinte anos, mais coisa menos coisa. Não sabemos bem se o governo governa ou se tenteia, vemos partidos antes veementes no exigir a fazer círculos quadrados e a deixar andar, enquanto no partido maior da oposição se armou uma tenda que não há quem aquilo entenda.

Resta-nos sua excelência o Presidente que tem afetos para dar e para trocar, que está ou há esteve em todo o lado, assumindo o papel do tio que mora na rua do lado, mas surge de imediato com um mero estalar de dedos.

De quando em quando vai ao estrangeiro, dar-se com os grandes, dá-lhes uma mãozada, mas regressa. Não se demora. Estou capaz de jurar que está depois uns dias sem lavar a mão dos cumprimentos, para sentir que aquilo foi mesmo, mas fino que nem o alho e ladino, dessacralizou e aproximou-nos do Poder.

Bom, mas como me está a veia a ir para a má língua acerca do Presidente-Rei, fico-me por aqui, até porque o espaço já se foi, e por certo a sua paciência também. Um Bom Ano Novo.


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