Manuel Igreja

Manuel Igreja

O olhar

Nada mais existe de mais profundo e imenso que o olhar. Num primeiro reparar ou pensar pode até parecer que não, porque o nosso imediato entendimento nos leva a pensar que o ver se esbarra na primeira parede, mas não é disso que se fala aqui e agora nestas linhas que se alinham que nem militares em parada.

Neste ponto ainda não existem, mas irão existir se me não faltar o engenho e a arte para desfiar o novelo que se me enrolou na cabeça. Bem lá dentro que é de onde vem o olhar de que vos falarei.

Este olhar não é o de enxergar, pois esse sendo importante como poucas coisas, é comum e natural. Basta que as pálpebras se ergam para de imediato, num breve que nem dá para se medir, nos depararmos com o mundo de cores que nos envolve mercê da natural obra e da humana ação.

O olhar que se me despertou para vos escrever, é o outro. Aquele que nos permite ouvir o que as palavras não dizem e sentir o que o coração envia. O olhar que permitir vislumbrar a alma através da janela que teima em estar sempre escancarada porque não existe ferrolho que a feche.

Infelizmente algumas pessoas conseguem aprisioná-la, por maldade ou por egoísmo, mas essas nem sabem o mal que fazem a elas próprias e aos outros, aos alguns que lhes estão perto. Algumas percorrendo a sua estrada de Damasco, quedam-se a notar o breu no seu interior, arrependem-se e soltam-na depois de caiada de branco. Por isso, devemos sempre olhar o mundo com otimismo que baste.

O olhar sobre o qual peço o obséquio de colocarem a vossa atenção, é aquele que vindo de outra pessoa se nos entranha, nos inquieta, nos dá serenidade, nos faz sentir culpa e vontade de pedir perdão, nos alegra que nele vimos luz através do brilho que surge despontado, e nos semeia uma irresistível vontade de abraçar.

O olhar que feito nosso mensageiro, nos permite dar um recado que apetecia ser de mil palavras, que nos permite dizer o que nos vai na alma e daquilo que é feito o nosso sentir. O olhar de que fazemos uma aconchegador manta de conforto e uma extensão dos nossos afagos.

Neste nosso tempo feito de esquinas da rua da nossa cidade porque todos somos vizinhos, onde graças às tecnologias qualquer longe é perto, as mais sentidas e profundas mensagens chegam-nos com vibrações de alma através de cada olhar por entre os escombros e no meio do ribombar dos canhões.

Nada mais consegue inquietar do que o olhar de uma criança que sente, mas não entende, que sofre e não sabe porque, que somente quer brincar e sonhar, mas não consegue, que não sabe que o futuro existe porque não percebe o seu presente, que unicamente quer um regaço para poisar a cabeça, e que por isso o seu olhar é uma janela para um imenso mar sem fundo.

Os seus adultos que somos nós, os de perto e os de longe, sabem, fazer a paz, mas puxa-lhes mais para a guerra. Sabem olhar, conseguem ver e sentir, mas os interesses mesquinhos e os ódios insanos, levam-nos a espalhar a escuridão ébrios pelo telintar das moedas e com o cheiro da devastação sem sentido surdos aos gritos nos martírios.

Podemos explicar e fundamentar tudo e mais alguma coisa, mas jamais seremos capazes de justificar a angústia infinda de um olhar triste. Também jamais conseguiremos explicar por palavras a doçura e a ternura de um olhar serenamente reluzente que nos envolve como se fosse a manta inicial e limpa em que nos embrulharam acabadinhos de nascer.

O olhar de que vos falo olhando para as letras que se unem e que é aquele com que procuro olhar-vos é o que vale mais a pena. Todos o temos. É por isso que somos humanos e conseguimos ver para lá de onde a vista alcança. Basta sentir.



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