Manuel Igreja

Manuel Igreja

Bandalhices que a Democracia permite

Mesmo parecendo que não é nada connosco, o que se está a passar no outro lado do mar, nos Estados Unidos da América, deixa-nos um certo travo a azedo na boca, um apertado nó no estômago, e muita inquietação na mente.

Se não deixa, garantidamente é caso para isso. As inenarráveis peripécias no processo eleitoral para a escolha do próximo Presidente no mais evoluído e potente país do mundo, mais parecem saídas de um filme com cenas baseadas num qualquer acontecimento num daqueles países exóticos onde nada espanta.

O que se passa por lá diz-nos diretamente respeito pela simples circunstância de se estar perante tudo menos perante uma disputa política em que se peleja por uma ideologia ou por um caminho a seguir-se em forma de governação desenhada com planeamento e balizada pelo saber feito e indicado por quem sabe.

O que se está a passar na América nestes tempos, é muito mais que isso e muito pior do que parece. Os bandalhos sem ética, sem moral, impantes na sua desonestidade, foram ao subterrâneo da sociedade e soltaram os demónios que se espalham tocados pelo vento do medo nos desfiladeiros da incerteza.

Um líder forte e arrebatador, dono de toda a prosápia e mais rápido que a própria sombra a dizer o que a turba ululante que ouvir, desfralda a bandeira da intolerância arrastando com ele milhões de pessoas que ou se julgam deserdadas ou se têm como emanadas de saber superior que lhes dá o direito de cortar a eito.

Enquanto isso, a Democracia tremelica, não cai, pelo menos por ora, mas pode ficar ferida pelas bicadas das aves de rapina que não conhecem barreiras nem fronteiras. Terá, pois, que muito se fortalecer para resistir na era em que a verdade não é o que é, mas antes o que alguém instantaneamente diz que é porque lhe convém.

O mundo pós-industrial excluiu milhões de pessoas que no outono das suas vidas sem sentem sem chão. A sociedade que soube construir o bem-estar como nunca, não soube nem sabe distribuir o ímpar valor que se cria de maneira a que ninguém fique sem o norte e sem coração. Não soube evitar a infiltração dos sons do desespero e desencanto nos ouvidos dos que se sentem excluídos.

Por isso a Democracia corre perigo. Luta e argumenta, apresenta ideias e soluções, mas é uma luta desigual. Os bandalhos não olham a meios para atingir os seus fins. Labutam para queimar com geada negra os solos onde a Democracia é uma flor. Não lhes interessa qualquer menção ao amor, à humanidade ou à humildade.

Como noutras ocasiões na História da humanidade onde campeia a desumanidade, com facínoras a dizerem-se detentores das razões e das soluções para tudo e para todos. Organizam-se e aficam-se a desorganizar a sociedade democrática para melhor controlarem e para se imporem como novos imperadores no admirável mundo novo.

Aproveitam os ditames da Democracia fazendo tábua rasa dos impedimentos que ela lhes apresenta. Juram por ela, mas matam-na. Não os apoquenta a falta da decência e muito menos a sobrevivência dos valores que nos diferenciam.

Sopram ventos e colhem as tempestades moldadas ao seu jeito e modo, usando espantalhos que abanam por entre a bandalheira que semeiam com galhardia mas sem valentia.


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