Manuel Igreja

Manuel Igreja

Ano Novo. Velhas inquietações. Esperança que urge.


Diz-nos o saber de experiência feito, que sempre que se verifica uma mudança de paradigma e se vislumbram novas situações, as nossas mentes se desassossegam perante o desconhecido que com contornos difusos ou quase concretos surge desenhado por entre os raiares do sol ou por entre as brumas das memórias que hão-se ser.

Devido a no antigamente já muito longe, se ter verificado a necessidade de se partir o tempo em pedaços uniformes na sua duração, e porque se foi entendendo um migalho acerca do modo como o nosso planeta gira em torno do sol para o louvar e para ele nos dar a luminosidade ou a falta dela, os dias foram fatiados em horas, as semanas em dias e estes em anos depois de serem embrulhados em semanas metidas em meses.

Com perícia e arte foram criados os calendários. Existem outros que ficam para outras páginas que não esta, pois por conveniência de contexto se me permitem, colocarei agora em apreço o criado em 1577 pelo Papa Gregório XIII, que adaptando o romano em uso passou a ser o de nossa orientação no tempo e em boa parte no lugar.

Folheadas que foram as páginas do ano da graça em curso, dois mil e vinte e três como sabemos, eis-nos no momento deste estender de palavras sem pregadeiras nas cordas da página que se preenche, nos últimos dias do ano e quase no dealbar do seguinte, que desde já desejo próspero e feliz para todos em qualquer lugar e em cada instante.

Como sempre, mais uma vez e como referi logo nas primeiras linhas, germina-se-nos alguma inquietação por estarmos mais propensos a balanços e a olhares em redor com a finalidade de percebermos o que está para vir. Basta que as coisas ainda não tenham acontecido para nos desassossegarmos. Faz parte da natureza humana condenada a não ter os tempos todos iguais e a ter noção quer dos desconchavos quer das bonanças que compilam o viver.

Uma vez que o Homem é ele e mais as suas circunstâncias, depois de me quedar um pouco no escrever para olhar por mim adentro e por aí afora, concluo que perante a doidice pegada em que o mundo está, inclusivamente este nosso país a que tão pouco ligamos, existem razões de sobra para inquietação de monta. Bem que se pode dizer, que dum modo geral, ou está tudo doido, ou está tudo grosso e a caminhar desabridamente para o abismo.

As guerras por razões que nos não dizem estão ao rubro, a fome grassa e a população aos milhões não encontra o futuro porque lhe roubaram a decência, as máquinas criadas com muito saber fazem temer porque escasseia o bom-senso para as utilizar como convém, e a informação vendida a pacote e sem substância cria opinião instantânea e pronta a ser debitada e utilizada.

No mundo quem tem missão falar, aconselhar e orientar, quase diariamente o faz, mas não é ouvido nem seguido, porque os seus dizeres não convêm aos interesses instalados ou a instalar, inclusivamente quando são insanos, desumanos e mesmo tresloucados.

Em Portugal, canto do paraíso para os outros, mas cada vez mais impróprio para os nacionais porque a desigualdade estrutura o que o vai sustentando por culpa de todos nós que permitimos e contribuímos, fala-se e discutem-se a espuma dos dias e termas de Lana Caprina com estrondos de fogo secos e pífios, enquanto o descrédito aumenta e a vontade de fazer vai escasseando.

No fundo, são velhos problemas por resolver convenientemente e com inteligência que baste para fechar os portões da cerca aos lobos famintos e matreiros que pululam nas estepes da demagogia. Sendo geral, logo é particular, pois o todo é a soma das partes.

Mas existe sempre lugar à esperança enquanto se não apagar a luz na candeia acesa que ilumina a casa comum. Note-se que o filósofo disse que o Homem é ele e mais as suas circunstâncias, mas também disse que se as conseguir alterar, também se consegue alterar a si próprio.

Basta isto, para me levar a desejar a vossas senhorias um excelente Ano Novo sempre que se estreie um calendário. Daqueles com imagens bonitas. Sabem?



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