Manuel Igreja

Manuel Igreja

A Cimeira Ibérica e a Linha do Douro

O pessoal lá em baixo, em Lisboa, circulando pelos aveludados corredores dos palácios do Poder, deve achar que o Alto Douro Vinhateiro é assim algo como uma Reserva de Índios, que em vez de bisontes nas pastagens tem pipas de vinho muito bom metido em armazéns. Não serão alguns tão ignorantes ao ponto de não saber que o néctar é feito com muito trabalho de granjeio das vinhas, já nem vou por aí, mas se tivessem noção do trabalho que dá, e do nosso contributo para a economia nacional com o vinho e com o turismo, com outros olhos no veriam e melhor trato nos dariam.

Ainda agora por estes dias: em boa hora lembraram-se de organizar em Vila Real a Cimeira Ibéria na sua edição deste ano, pelo que ilustres do mais ilustre que há de Espanha e de Portugal andaram por aí com a pompa e as circunstâncias devidas, e nem sequer minimamente duvido que se sentiram bem-recebidos, que nós lá nisso pedimos meças ao mais pintado. Somos bons anfitriões e servimos sempre o vinho do pipo do patrão sem que falte na mesa o melhor galo da criação.

Quando a isso estamos conversados. No momento do desenrolar desta escrita o evento vai a meio, mas nada me custa imaginar as loas que se vão tecer mercê do que os doutos senhores viram, comeram, beberam e decidiram. Aliás, acerca desta última, já se ouviram ufanos clamores a anunciar os muitos milhões, para aí uns mil, que se irão investir de seguida. Sem se perder o pé, dizem, já que o chão é muito movediço e cama não dá para muito nos esticarmos.

Nada a opor e até me dá contentamento. Modernizar é preciso e criar infraestruturas chão de novas riquezas é essencial para que uma e região e um país consigam entrar e manter-se nas carruagens da frente na linha do progresso. Portugal só tem a ganhar em se arranjar para ser moderno. Espero é que não entre de novo desvairadamente em modernices que não dão em nada e só arruínam muitos para ganhos de muito poucos.

Mas indo ao que interessa, que é como quem diz, ao ponto. Ao cerne. Então não é que nos tais mil milhões de euros referidos como disponíveis se fala em investimentos em ferrovias em autoestradas que urge terminar, mas em relação à modernização da Linha do Douro e a sua reabertura até Barca Dalva, nem uma linha, nem uns trocos, nem umas notitas daquelas que por vezes caiem da algibeira?

Pelos vistos há um estudo meio escondido ou pelo menos pouco divulgado, que sustenta que reabrir a Linha do Douro até à fronteira orça em tanto como construírem-se quatro estação de metro na capital, coisa de pouca monta pois, no enorme bolo. Mas nem assim. Nem o facto de ela já ter sido um dos principais meios de entrada no país, e nem o facto de assim se dar ligação a Salamanca com os seus milhões de turistas por ano, pesou na decisão.

Também convenhamos que pelo nosso lado ninguém tugiu nem mugiu, com o devido respeito. Não se levantou fervura sequer. Por isso o senhor ministro do Planeamento e Obras Públicas todo cheio de si, anunciou à porta de nossa casa muitos melhoramentos nas casas dos outros. Podia ao menos ter disfarçado, para ficar bem na fotografia junto de nós, mas nem isso. Deve saber que viajamos em comboios velhos que ameaçam desconchavar-se em cada curva como os dos desenhos animados, mas vem para aqui anunciar comboios novos só noutras linhas.
Terá noção que estes que nos envergonham não nos servem como meio de transporte usual para quem queria ir ao Porto e vir, a não ser que se leve merenda, mas faz de conta. Não convirá que seja de outra maneira, digo eu que já passei muitas vezes no túnel do Marão.

Valha-nos ao menos esta nossa léria e contentamento quando recebemos bem e vemos os outros consolados com as nossas coisas. A novidade também se adivinha boa, o tempo vai bom, mas o que começa a fazer falta é a água. Será melhor se calhar irmos dançar em redor da fogueira pedindo ao deus Manitu que nos mande alguma chuva. Tenho para mim que pelo menos esse no ouve.


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