Manuel Igreja

Manuel Igreja

Uma Sociedade Doente e Dormente

Nos últimos dias temos vindo a saber notícias que dão contas de episódios absolutamente condenáveis, e a todos os títulos incompreensíveis e impróprios de uma sociedade civilizada e equilibrada.

Em Portugal, país membro da União Europeia, a mais elevada forma de organização entre nações, apesar de tudo, profissionais como médicos, juízes e muitos outros, a toda a hora e por qualquer pretexto são alvo de agressões físicas e verbais no exercido das suas funções.

Ao longo das últimas décadas, fomos fazendo que fazemos, fomos fazendo de conta que evoluímos só porque andámos vaidosos, tudo fomos fazendo para individualmente dar nas vistas, foram-nos dizendo ora que as coisas estão muito mal, ora que estão muito bem, e temos vindo a vir e a ir sem percebermos muito bem para onde.

A geração que conheceu o mundo antigo, que o vislumbrou e que porque sofreu, sabe com quantos paus se faz uma canoa, vai desaparecendo por via do viver que implica que o tempo passe, sem deixar legado firme e inequívoco acerca dos valores que cimentam a cidadania e o quotidiano em que se produz antes de se gastar.

A nação lusa, é no iniciar dos anos vinte do século vinte e um, uma sociedade sem miolo no meio. Os poucos muito ricos tornam-se cada vez mais ricos, e os muitos muito pobres, ficam cada vez mais pobres. Entre ambos os estratos, ficam os remediados que não se remedeiam com qualquer coisa, que aspiram, que suspiram, mas não conseguem fazer chão que lhes assente os desejos.

Pouco sabem. Nem sequer sabem que nada sabem. Mas sentem. Sentem-se ricos em hábitos e escamoteados nas posses. Têm-se senhores de mãos cheias de direitos e suficientemente soberanos para não terem deveres nem contas a dar. Não sabem pedir, mas sabem exigir com veemência e muita pressa.

Fomos-nos alienando. Todos. Adquirimos costumes de ricos sem o sermos, e granjeamos e mantemos amarguras. Deixamos que bandoleiros de gravata surripiassem mundos e fundos e pagamos. Nem pestanejamos. Deixamos que as nossas principais cidades se tornassem impróprias para nós porque as foram moldando para os turistas e batemos palmas.

Agora transpiramos. Por vezes sentimos um calafrio, mas aliviamos, berrando, batendo, ou ameaçando bater. Seguimos e fugimos. Não nos governamos, mas deixamos que alguns se governem sem nos governarem com peso e medida. Podemos não saber a força que temos, mas também a não sabemos usar. Mais não fosse, nem a sabemos mostrar.

No descaminho só sabemos que ninguém nos pode contrariar. Como fariseus, oramos e vingamos. Idolatramos a nossa própria imagem e fazemos-nos o centro do universo. As estrelas são os nossos. Somos o sol, por isso podemos queimar e reagir. Reagimos e batemos, por palavras, por actos e por omissões.

Vai-nos faltando o tino e abandona-nos o bom-senso. A arrogância, a ignorância e a vaidade corroem-nos a estrutura. Acrescente-lhe a inveja para que nada falte. A nossa comunidade está doente e dormente. O que vale, é que somos sobreviventes.


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