É uso comum dizer-se que uma imagem vale por mil palavras. Bonita ou feia, agradável ou desagradável, independentemente o seu tamanho ou das configurações que lhe dá forma, num ápice, uma imagem transite-nos as sensações que nela somos capazes de encontrar.
No entanto, não perdura garantidamente no tempo. Umas, esvaem-se logo, outras passados uns meses, e outras passados uns certos anos. É como algo que se instala na memória, mas a que dado instante tem se ser varrida mais lá para o fundo para dar lugar a outras que surgem ou surgirão.
Com os sons, é diferente. Não nos dizem tanto em tão pouco tempo, mas, perduram mais lá no cantinho em que se alojam no ponto próprio do nosso cérebro. Na memória que nos vai permitindo saber de onde provimos, para no tempo que corre, encontramos os caminhos por onde ir nos dias ainda por acontecer, à medida que eles vão surgindo.
Por exemplo, eu, que já não vou para novo, estou para aqui com este escrito que se me está a desenrolar assim em pretexto de introdução para encontrar o início do fio condutor, para vos falar de algumas sonoridades feitas palavras que me ficaram dos meus tempos de moço na aldeia onde nasci e onde comecei a despontar para o mundo que me coube para estar e para ajudar a preencher.
Fui-me fazendo rapaz a ouvir os mais velhos, alguns não muito mais do que eu, porque as circunstâncias os obrigaram a serem homens sem terem sido meninos, a dizerem que iam, ou tinha estado a trabalhar em algumas quintas no Douro, não muito distantes, mas o suficiente para darem sustento numa realidade igualmente árdua, mas essencial no se ganhar o pão nosso de cada dia.
Roriz, Roncão, Romaneira, quintas no âmago do Douro vinhateiro, desde que ele existe e até hoje, emblemáticas e históricas, com o meu obvio desejo que o continuem a ser, conjuntamente com muitas outras, pois agruras e alegrias à parte, elas estruturam a nossa identidade e a nossa história não muito longa, mas capaz de fazer inveja seja a quem for.
Entra elas, a quinta de Roriz, é a que mais se me afigura na memória feita com os sons das palavras, na substância do tempo e do silêncio nos momentos em que viajando até ao que já fui, já vi e já escutei, me sento e descanso para encontrando aqueles que fui encontrando, saber um pouco mais de mim e de mais a realidade que me rodeia.
Quase sempre, a memória dessas palavras, revelam-me imagens feitas ainda que não vistas, de homens, mulheres, rapazes e raparigas, a deslocarem-se a pé até à Régua, centro nevrálgico da região, local de partidas e de chegadas, para depois irem de comboio até à estação de Cotas, desde se apeavam para fazer a travessia do rio para a outra margem.
Feita a jornada até aqui, ou ali, melhor dizendo, mais uma caminhada subindo a lareiras íngremes, sem as quais o Douro não seria o Douro, este que conhecemos e amamos, era a quinta, grande quase sem fim, para quem de seu ao luar pouco ou nada tinha, no inverso da enorme e essencial necessidade de ganhar magro sustendo para si e para a prol já viva ou a fazer ter vida, como é próprio no renovar da natureza.
A troco de pão seco, de uns pares de azeitonas, de mera pelicas de bacalhau salgado para dar sede, e de umas boas goladas de vinho, trabalhavam com muita força para granjeio dos bardos alheios, sempre com o sonho de mais dia menos dia, terem também videiras suas, quantas mais melhor, pois o desejar e o ter, nunca fizeram mal a ninguém.
A quinta de Roriz, na margem esquerda do rio Douro, ainda altaneira e bela, rodeada de outras, igualmente lindas e de encantar, toca-me através da sonoridade do seu nome que me leva a viajar no tempo, mesmo que só a conheça de longe. Passei-lhe muitas vezes ao pé, e pretendo continuar a passar.
É que sucede nesses instantes, ouvir o que as palavras não dizem e ver imagens através das janelas da alma. Há quem diga que isso é estar um pouco mais vivo, por isso, peço desculpa, mais deixou-os aqui. Vou até lá. De comboio, para sair em Cotas ou no Tua, duas das estações da nossa vida.