Manuel Igreja

Manuel Igreja

Linha do Douro: Um muito obrigado pela viagem ao passado

Não posso de modo alguém, deixar de agradecer. Nem ficaria de bem comigo se o não fizesse, tamanha foi a experiência que me foi proporcionada por quem manda e desmanda nessa coisa dos comboios, muito em especial, no que se refere à Linha do Douro, que nos desserve mais do que serve tantas vezes e em tantos dias.

Vem isto a propósito da inesquecível viagem aos anos setenta e oitenta do século passado, que me foi proporcionada recentemente, há coisa de uns dias, nesta canícula que se faz sentir, se calhar, para nos recordar que no Douro, há seis meses de inverno e seis de inferno.

Numa jornada de ir e vir ao Porto no mês dia, com é costume meu porque tenho como aconselhável, utilizei o que considero o meio de transporte do futuro, apesar de estar ciente de que optava pelo meio de locomoção mais demorado e menos confortável. Mas a preguiça no decurso e mais a paisagem junto ao rio que é sempre uma escovada na pele da alma, quanto a mim, justifica em pleno a escolha.

Com o que não contava, era com a experiência, a tal que me leva a dizer muito obrigado perante quem isto lê. Sentido de gratidão, que tanto pode ser nulo, muito grande, ou mero modo de se dizer algo por outras palavras que não as que se leem pelas letras escritas.

Mas não saindo da linha nem do cais. Na viagem de regresso, ia a tarde no seu meado, entrei para a carruagem e busquei assento disponível. Não foi fácil, mas não desesperei. Acostumado que estou no contexto, sei que umas Estações adiante, em coisas de meia hora, como fêmea que vai largando filhotes do ventre, o comboio iria esvaziar-se ao ponto de depois haver opção de mudança de lugar se o se quiser que fazer.

Acomodei-me e nada tardou que me ocorrem-se lembranças de tempos idos, quando moço acabado de ser habilitado com a 4ª classe de escolaridade, me iniciei na aventura de ir estudar para perto do Porto. Quase sem dar por ela, pois estas coisas nunca são num repente, senti-me nessa ápoca ainda dos anos cinzentos do Estado Novo que era então já muito velho e caduco.

Depois, asa sensações, ou quem sabe um qualquer toque de mágica tipo os livros do Harry Potter, estive na dúzia e meia de meses em que cumpri com galhardia o serviço militar bela cidade de Tomar entre janeiro de 1981 e maio de 1982. Já então, devia ter sido medalhado, mais não fosse, porque heroicamente em quase todos os fins de semana, andei num virote entre cá lá. Mas valeu a pena, até porque na ida, o saco com a merenda ia sempre recheado.

Isto, para vos dizer que naquela tarde tórrida dentro da carruagem, me fartei de suar em bica, a roupa teimosamente, calava-se-me no corpo, os solavancos da composição eram exatamente iguais porque ela é desses anos apesar de estar mais luzidia, aliás seremos velhos conhecidos, o tempo no percurso é semelhante ao minuto ao que à duração respeita, e a paisagem entre Caldas de Aregos e a Régua, continua soberba.

Igualzinho apesar do meio século que entremeia as experiências atuais e as de outrora, quase dos anos em que os animais falavam, de tamanhas serem as transformações ocorridas em quase tudo, menos nas condições de viagem na Linha do Douro, cujas locomotivas se fartam de acatar passageiros.

Nela, mais parece que somente o ar das pessoas mudou a par do nível de exigência e do direto a conforto próprio dos tempos modernos, pois não somos menos de quem quer que seja, só porque nos atrevemos a viajar no caminho-de-ferro que nos disponibilizam, julgando que mais e melhor se não justifica.

Mas a sério, apesar de ser a rir, estou agradecido. Naquela viagem, fartei-me de mudar de lugar a fugir do sol, que entrava pelas vidraças, desejei muito a lua por ser mais fresca e mais romântica, e tive-me outra vez como rapaz, antes estudante e depois magala ao serviço da Pátria.

Foi incómodo, mas lindo. Muito obrigado, senhores dos comboios.



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