Bem sei. O título que me saiu é forte. Se calhar por isso, neste ponto da escrita, olho para a página ainda em branco e vejo-me às aranhas para o escrever das letras que dão em frases que são maneiras de dizer. Parece-me um mar imenso, onde se vai mergulhar à cata de peixes que se escondem em desafio, mas que sabem que a sua missão a serem descobertos.
Cá está. Por falar em mar, e apontando a proa na direção do rumo pretendido, que é o estado a que o nosso país chegou meio século depois da revolução que prometeu acabar, ou pelo menos diminuir a desigualdade entre os cidadãos em todos aspetos da vida quotidiana, algo que até aí se não pretendida e nem era suposto.
As coisas eram como eram e entendia-se que se algo se modificasse, era para que tudo ficasse na mesma. Deixava-se estar assim, para ver como ficava. Por mais recursos que houvesse ao dispor, faltou sempre capacidade para se engendrar um futuro diferente, planeado e um pouco mais justo e igual para todos.
Mesmo no tempo em que aportavam enormes riquezas vindas do Novo Mundo que achámos, nada se modificou em termos estruturais. As especiarias da Índia, o ouro do Brasil e mais tarde os fundos a rodos chegaram da União Europeia com vista a nos dotarmos de mentalidades e de equipamentos para irmos no pelotão da frente em termos de modos de vida, de pouco ou nada adiantaram.
Sabemos lidar com o dinheiro fácil somente como os filhos de última geração de uma família rica que estorrica tudo o que tem ao dispor. Não sabemos fazer frutificar devidamente as árvores das patacas e muito menos, repartir os frutos que sempre vão dar aos bolsos dos que são mais finos e mais ladinos.
Sempre nos disseram que Portugal é um país pequeno, e nós acreditámos. O retângulo no mapa na ocidental praia lusitana, sempre nos pareceu exíguo, sem que nos viesse ou venha à ideia o facto de que o oceano que é nosso, é grande ao ponto de terra e o mar juntos fazerem do nosso país um dos maiores da Europa.
Nos anos oitenta do século passado, pouco depois da nossa adesão à União Europeia, cometeu-se um dos mais graves erros na governação. Um erro que desenhou e influencia tudo a partir dali. Convencidos que o único caminho era transformar o território numa ímpar esplanada para estrangeiro aproveitar, abandonou-se a Agricultura e as Pescas, e quase tudo o que era tecido produtivo, para nos ocuparem mãos e braços com bandejas e panos de limpar mesas.
Os fundos financeiros permitiram que o dinheiro circulasse que nem fio de água em sistema de rega em campo semeado de ilusões. As pessoas começaram a ter um melhor nível de vida, ganharam novos hábitos de consumo, a classe média alargou-se, o que era e é bom, tudo passou a ser mais democraticamente acessível. O desejado passou a estar mais ao alcance.
Parecia que tudo ia bem no reino antes dos Pirenéus, onde a dado momento, quase num ápice e sem saber ler e escrever, um bom punhado de pobres se viu rico porque teve olho, e esperteza que baste no local certo à hora certa. Ainda bem para eles e para os seus, mas o ponto onde a porca torce o rabo não é esse.
Obviamente que por essa via, foi criada riqueza. Muita riqueza. O problema, sem culpa deles, é a falta de planeamento e de desígnio nacional. O poder político que é o resultado das nossas escolhas individuais, nunca quis ou não soube, planear e decidir acerca dos alicerces que faltam e nos permitiriam ser um país equilibrado e mais igual, quase um simulacro do Paraíso na Terra.
Neste ponto do escrito que se me foi escorrendo, manda-me o cérebro dizer que efetivamente Portugal é um paraíso. Tem paz, tem clima que se recomenda, tem comida e vinho que chorar por mais, e tem casas baratas ao dispor e a nascerem como cogumelos.
O problema, é que o local está dividido. Para os estrangeiros ricos que se regalam por cá, realmente o oásis, o jardim do éden, é aqui. No entanto, esta nova maravilha, é só para eles. Os portugueses pobres e mais os estrangeiros miseráveis, que os servem e constroem as cidades para os outros, sentem na pele e nos ânimos os custos do necessário para que assim seja.
Por mais discursos otimistas que nos impinjam, no dia-a-dia, sentimos que na nossa terra, no nosso país, o bom não é para nós, sentimos a interdição a muitos locais e a muitas coisas, sentimos que nos roubam a dignidade e um modo de vida descente, porque o que há é para os outros, a quem tudo facilitamos porque têm fortunas indecorosas e atitudes que nos esbugalham os olhos.