Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os bárbaros andam à solta

Nos meus tempos de menino e moço, nado e criado na aldeia, quando uma pessoa se deparava com alguma coisa de espantar, tida como insólita e inenarrável, benzia-se com a mão esquerda.

Era um modo de espantar o mafarrico a quem se atribuía a autoria da situação. Os quotidianos eram vividos pouco ou nada se sabendo e tudo se ignorando, acreditando-se naquilo que ensinavam a acreditar, não se questionava e obedecia-se. Aspirava-se a ter algum pão na mesa, casa em que se coubesse e terra quanto se visse.

Para o que se não sabia explicar via-se a resposta na eterna luta entre o bem e o mal, duradoira e repleta de entes eles mesmo o horror dos horrores, vindos das profundezas dos abismos da alma.

Bastava que o identificado líder espiritual dissesse que assim era, para a verdade ser de cristal enraizada em mentes empedernecidas. Parece que foi há muito tempo, que já nasceram muitos sóis e muitas luas no firmamento, mas não. Anda não sou assim tão velho.

Parece que já não é assim, mas ainda é. Parece que enquanto seres humanos evoluímos no caminho da luz, mas não. Estamos praticamente na mesma. Pode ter mudado a moldura, mas a essência continua. O que acaba de se passar nos Estados Unidos da América, é a prova de que mudou alguma coisa, mas ficou tudo na mesma.

Perante a invasão da sede do poder democrático por um bando de alienados só resta, pelo menos a mim, benzer-nos com a mão esquerda. Sabemos que não é obra do demo, mas tem dedo de um diabo sob a forma de gente.

O milénio já virou e este século está a findar o seu primeiro quarto, as tecnologias de ponta fizeram de nós pequenos deuses, mas o mundo está a ficar sem ponta por onde se lhe pegue. O que está a acontecer na América é prova disso e respeita a todos, muito principalmente à civilização ocidental que é a nossa e é a mais evoluída de todas digam o que disserem.

Por isso nos devemos preocupar. Devemos questionar porque é que se criaram as condições sociológicas que levam a que mais uma vez um psicopata arraste consigo largos milhões de pessoas.

Devemos questionar e exigir que nos devolvam a decência e que ensinem de novo que a linha entre a verdade e a mentira é real e é exigível.

Parecendo o contrário, o mundo pulou, mas não avançou. Nunca foi uma bola colorida nas mãos de uma criança, e muito menos o é agora porque estão a fazer com que o futuro deixasse de ser o que era, pois temos razões de sobra para o temer, já que porque ao leme da barca da Democracia não vai quem nada teme e só quer o bem. Por isso ela treme.

Nos Estados Unidos, para todos os efeitos um dos maiores baluartes da Democracia, durante todo o tempo, altos dignitários não tiveram vergonha nenhuma durante algum tempo.

Recuperam-na agora pelo menos para já e porque viram o mar a arder. Devido a isso, estão a mandar o despenteado mental para o quinto dos infernos.

Não é garantido que vá sem deixar o seu cheiro a enxofre. Os bárbaros andam à solta e não é fácil prender os demónios que carregam e facilmente espalham porque o chão lhes é fértil por causa do húmus da desigualdade crescente.

Por isso nos devemos importar e inquietar. Como noutras épocas, não podemos deixar que levem o nosso vizinho sem ligarmos, pois, qualquer dia podem vir buscar-nos e não temos quem ligue ou se entre ponha. A barbárie tem esse poder.

Cruzes canhoto te arrenego.


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