Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Medo Venceu a Batalha, Mas Não Pode Ganhar a Guerra

No dia em que escrevo o nosso mundo está a mexer-se com o desassossego enquanto incrédulo esfrega os olhos. Contra o que se dizia e mais ainda ao arrepio do que nele largamente se desejava, nos Estados Unidos da América, as eleições presidenciais foram ganhas pelo inefável Donald Trump. Uma caricatura absoluta. A sério. No mais avançado país deste mundo, e do outro também, sem contar com o mundo do além, um trampolineiro com retórica e figura de vendedor de banha da cobra, convenceu e venceu. Sem ter nada que se recomenda e com muito que se condene, arrebanhou mais votos. Confirmou-se o escrito por Óscar Wilde: “O mundo pode ser um palco, mas o elenco é um horror”. Terá coisas muitos boas, o elenco, por quem sóis, mas que ensandece a olhos vistos, lá isso endoidece. Dá a ideia de que evolui, mas derrapa na lama, não aprende com a História, e não sai da cepa torta, repetindo com ligeireza erros e tragédias. A vitória do dito cujo, um verdadeiro despenteado mental de compreensão lenta e estupidez acelerada nas coisas da polis global, está absolutamente inserida na corrente que nestes dias fluiu alimentada pelos invernos do nosso descontentamento. A sua força alimenta-se no ódio inseminado no Zé Ninguém que só quer coçar a cabeça depois da banana recebida. O resto pode ruir, pois a mesquinhez não permite o incómodo. A memória coletiva pode ser curta, mas os registos são quase eternos. Para ganhar a disputa, bastou-lhe aproveitar as possibilidades da democracia, e fazer pelágio do que por exemplo há oitenta anos Hitler fez. Também este conseguiu impor a sua figura ridícula de sem abrigo que era, de indigente sem obra feita, às elites da época. Suportado em ombros pelo medo que semeou e pela ignorância que soube fazer reinar, tomou o leme de um das evoluídas nações que zarpou alegremente rumo ao inferno que sofreu e fez sofrer. Com o ninho escangalhado a nenhuma ave lhe apetecer cantar. Também aos homens e às mulheres com os sonhos cerceados e com as vidas desfeitas contra os penedos colocados no imenso areal escuro e sem fim, lhes não apetece cantar hossanas à solidariedade. No naufrágio qualquer porto de abrigo prometido serve. Muito mais quando os comandantes da embarcação não são se fiar e são vistos como muito competentes a surripiar e muito incompetentes a cuidar do que deve ser cuidado. Sabem o que fazem, mas só no que lhes interessa e dá jeito. O mundo está entregue a bandoleiros, mas o xerife vai mete-los a todos na choldra, para que os amanhãs cantem de novo. Eis o raciocínio superficial e básico em algo que é extremamente importante e profundo. No entretanto o medo venceu a batalha aproveitando a força da democracia. Não pode é jamais vencer a guerra. Nunca foi bom conselheiro, e levou sempre à imoralidade advinda da bestialidade humana. Ainda vai havendo algum tento. Vamos acreditar. A vitória de Donald Trump na América não me assusta. Como se dizia por cá ao lavrar as leiras, alguém o vai meter no rego. Tenho para mim que não terá outro remédio. Se for arredio despacham-no num instante para o jardim das tabuletas com todas as honras militares. Deste desconchavo pode até resultar algo de bom, como por exemplo a sabedoria e a visão de que os recursos gerados devem ser colocados ao dispor dos cidadãos e não somente dos predadores. Mais uma vez se provou, como antes na Inglaterra e se calhar daqui a meses na França onde há risco de vitória da odienta extrema-direita, que a última palavra de comando de direção é das pessoas, e não dos pensadores ao serviço dos abutres. Há meios para manter a decência na vida da gente que sempre a teve. Basta aprender e agir, antes que seja tarde de mais neste caminhar rumo ao abismo.


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