Manuel Igreja

Manuel Igreja

Epistola nem sei bem a quem por causa disto tudo

Naquele tempo, andava-se pelo ano vinte do século vinte e um, e o mundo devia ser uma coisa muito aborrecida. Não havia guerras em lado nenhum, não havia fome nem injustiças. Era uma pasmaceira daquelas de fazer andar uma pessoa em permanente bocejar.

Nem sequer havia uma pandemia capaz de por tudo de pantanas provocada por um vírus novo no meio de triliões de outros vírus. Em dias sem nuvens, o sol cumpria a sua missão quem sabe se a contragosto, de se erguer pela manhã para iluminar depois de mandar a lua dar uma volta.

Era uma época em todas a gente sabia de tudo e muito depressa, levando a que muito poucos soubessem alguma coisa e com tempo. Vivam-se dias em que sem ter prometido, o tempo por faltava sempre como se se escoasse que nem água pela areia das praias. 

Quem sabe se por isso, num certo dia no país mais poderoso na Terra, um polícia de má índole e com uma pedra no lugar da alma, matou um ser humano de cor negra colocando-lhe impante e poderoso o joelho sobre o pescoço enquanto via as horas no seu belo relógio.

Aquela nação era ainda muito nova comparada com quase todas as outras que fundamentam a civilização, pelo que se pode deduzir que sofria ainda das dores de parto feito num ambiente em que matar para se não morrer ou para se conquistar, era um entretanto no acender-se um cigarro com ar másculo.

Num repente ergue-se um justo borburinho que se iniciou por lá, mas se espalhou pela parte ocidental do globo, que era aquela onde havia tradição e condições para certas coisas. Encheram-se as ruas de manifestantes em protesto contra o racismo, algo de muito aplauso enquanto causa maior defendida por que pensa que não há filhos de deuses menores.

Mas a coisa tresmalhou. Como não havia mais nada com que a humanidade se preocupar, se calhar, alguns iluminados de mente quadrada e sem visão abrangente, levaram os protestos para conceitos e atitudes ocorridas há muitos anos, como se o homem não fosse ele e mais as suas circunstâncias. 

 

Não sabiam que não se pode ver o ontem com os olhos de hoje, porque a cada instante o nosso olhar é influenciado pelo que vamos fazendo, aprendendo e vivendo. A vida é uma lição aprendida numa sala de aulas com a janela aberta, mas eles não sabiam nem sabem. Tinha aprendido sempre a aprender a mesma coisa em lugares sempre herméticos. Faltava a aragem.   

Resolveram pois então, com as mãos de hoje e com a estupidez de sempre, vandalizar estátuas e vilipendiar memórias de quem se fez sobressaindo[MI1]  por entre o medíocre e o mediano com atitudes que melhoraram o devir da humanidade. A besta da insanidade soltou-se a toda a brida.

Houve tempos em que quando as pessoas queriam exigir ou ajudar a mudar o mundo para melhor, vinham para a rua gritar pela paz, pela igualdade e pela liberdade. Eles tinham-nas, mas queriam que elas fossem universais e permanentes.

No tempo de que vos falo, estes quiseram (querem) reescrever a História, mas não a sabiam ler por usarem palas ao lado dos olhos. Por isso, em boa verdade vos digo: - Que vão catar piolhos ou pentear macacos, pois assim não adulteravam o espírito de uma das mais nobres causas e sempre fariam algo de útil.   


 [MI1]


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