Manuel Igreja

Manuel Igreja

Douro: A tempestade perfeita.

Assim num primeiro modo de pensar ou sentir, no repente, uma tempestade nunca é perfeita no sentido em que tendemos a considerar a perfeição como algo sempre elevado, belo, profícuo e reconfortante.

Enganamo-nos o entanto nesse primeiro impulso, pois a perfeição de uma tempestade, advém essencialmente das condições que a levam a acontecer na magnitude da sua condição com tudo aquilo que de mau sempre acontece no concretizar da natureza das coisas e dos acontecimentos.

De um modo geral, ou mesmo sempre, as tempestades dão sinais, fazem-se anunciar pois não brotam do acaso. Nascem das condições natural ou artificialmente criadas para o seu se fazer sentir. É só prestar-se-lhe as devidas atenções para que com saber, com inteligência e com medidas se atenuem os seus efeitos.

Posto isto, e saindo do registo num modo de dizer, meteorológico, e não desejando assumir o papel de Cassandra que na antiguidade clássica, profetizava desgraças quando lhe dava para tal, venham comigo se fazem o obséquio, atentar nos sinais que se adivinham e/ou vislumbram sobre os céus do Alto Douro Vinhateiro nestes dias em que o outono se mete pela primavera adentro.

A novidade vai boa e recomenda-se. A custo de muitos e onerosos tratamentos nas vinhas, as videiras estão a cumprir a sua função e os cachos emocionalmente a lembrar um despontar de meninos, são um gosto de se verem e de se admirarem aí todos pimpões por entre as parras verdes e viçosas.

Pelo menos para já pois nunca se sabe dos humores do clima e das moléstias que lhes vêm dependuradas nas asas, não são nisso que se pressentem os enxergam as condições para o temporal que se anunciam desde há alguns anos a esta parte, para não iremos mais longe e afirmáramos desde há décadas.

Segundo que se diz e se sabe como verdadeiro, o Douro nos armazéns tem neste momento um verdadeiro mar de vinho por escoar. Faltam pois então, condições para guarda do vinho da próxima vindima, e necessidade de o adquirir porque ainda existe muito por vender.

Por outro lado, e insanamente porque é cada qual a tratar de si e das aflições que fazem a barriga dar voltas, e porque é mais fácil ganhar dinheiro fácil e urgentemente, milhares de pipas de vinho entram na região a preços muito baixos sem controle eficiente, eficaz, sobre o seu rasto depois de entrar em cada centro de vinificação.

O de cá e o de lá longe, ficam juntos como se fossem um só não o sendo, quer em qualidade quem em condições de devida apreciação. Apesar de cada vez mais, beber se um ato de apreciar, a ganância ou a urgência leva a que se passem coisas de bradar aos céus, se lá em cima ainda houver paciência para os nossos desmandos e para a nossa falta de capacidade de orientação e de planeamento.

Enquanto isto, só protestamos em surdina, unicamente assumindo o papel de coitadinhos com quem ninguém se preocupa. Urgindo uma eficiente forma de organização de classe, não ligámos e não nos fazemos ser respeitados. Não refletimos e não agimos. Só lamentámos nas esquinas ou nas conversas de café. Não pedimos explicações, não agimos nem fazemos ações, só ansiamos por preços bons e as uvas esmagadas para virarem em mosto.

Os políticos que sabem que tudo isto também é em grande parte uma questão social e de território, encolhem os ombros e seguem. Juram-nos amor, gabam-nos a excelência do potencial e das coisas, mas pouco mais.

Na vindima do ano passado, na última, já se chorou baba e ranho, já se pedinchou de chapéu na mão, a compra das uvas. A tempestade amainou, mas não passou. Os sinais anunciadores estão agora bem visíveis. Os estrondos já se escutam. Os relâmpagos nada tarde romperão no cume dos montes.

Papem de Cassandra à parte, temo bem que em 2024 no palco duriense se venham a desenrolar a vindima do nosso descontentamento. Quiçá mais uma, mas pior que outras mais recentes, e melhor que as próximas futuras.

Espero enganar-me. Juro.



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