Manuel Igreja

Manuel Igreja

A Falta de Filhos

Os governos andam muito preocupados com os baixos índices da natalidade. Não sei, mas por certo ainda terão discernimento para concluir que tal situação se não deve à falte de jeito e/ou de vontade por parte dos cidadãos, nomeadamente dos mais jovens. Digo eu, sei lá. Uma pessoa nunca sabe o que vai naquelas cabeças.

Durante os últimos anos, fizeram tudo para que um casal responsável não sinta margem para deitar rebentos ao mundo, mas agora, deitam as mãos à cabeça porque se aperceberam que mais ano menos ano, por ausência da renovação geracional, quase não vai haver gente neste nosso mundo de Deus.

A Europa entendida como União Europeia, seja o que isso for, em geral, e Portugal em particular, vão-se esvaziando de pessoas nadas e criadas no seu espaço natural, entendendo-se este como o canto em que se vê a luz do dia pela primeira vez. Felizmente este nosso espaço continua a ser ponto atractivo para muitos que não tendo nada, buscam por cá um pouco do que ainda temos. São restos do tempo em que porque tínhamos estadistas, construímos a mais avançada civilização. Isto, antes de os estagiários que têm vindo a ocupar as cadeiras do poder pretenderem pôr-nos a todos de olhos em bico.

Mas isso são contas de outro rosário. Vinho de outra pipa, como se diz pelas nossas bandas. Por agora e por aqui, fiquemo-nos pois então pela falta de filhos, e pela falta que os filhos fazem. Neste ponto, não resisto a dizer que mesmo para os que acham que se não fosse a falta que fazem, não faziam falta nenhuma, os filhos são a preciosidade das preciosidades. Tanto mais que cada um de nós também o é, sendo que para de quem o somos nada existe de mais importante.

Volvendo antes que me perca. Ia dizendo que tocaram as campainhas de alarme lá para os lados do Terreiro do Paço. Em Portugal, morre mais gente do que a que nasce, naquilo que é indubitavelmente um perigoso desequilíbrio. Como não podia deixar de ser, logo se criou uma Comissão para se debruçar sobre a coisa, salvo seja. Doutas e pensantes cabeças, vão andar numa atafona para descortinar medidas que permitam a inversão da perda demográfica. Com um jeitinho, ainda vão recomendar a abertura de clubes de vídeo, ou a divulgação de certos sítios no ciberespaço. Sei lá, já vi de tudo.

Estou para ver, é se os sábios irão concluir que numa sociedade em que qualquer um não sabe com o que conta daqui a um mês, num contexto económico em que os jovens por muito qualificados que sejam, ou estão ainda à sombra dos pais, ou mal ganham para se sustentar, e num país, para falarmos no nossa caso, em que as trovas do vento que passa só nos falam de desesperança, dá vontade de tudo menos de aumentar o agregado familiar.

Sabemos bem que até há um punhado de anos atrás, qualquer casal se ficava por um ou dois filhos, quando muito três, quando não tinha nenhum, pura e simplesmente por questões de comodidade e até de egoísmo. Gozar ao máximo a vida, seja lá o que isso for, era o principal objectivo. Os filhos eram tidos como empecilhos, por isso a cegonhas se ficavam por Paris, a aguardar encomendas de transporte. Os novos métodos e um maior conhecimento, estragaram-lhes o negócio.
Convenhamos pois então que a nossa quebra demográfica começou aí. Ficassem-se no entanto as causas por aí, e facilmente se resolveria. Diminuía-se o egocentrismo, aumentava-se a auto-estima, trocava-se o efémero pelo eterno e o acessório pelo essencial, alimentava-se o instinto de preservação, e logo as maternidades andariam num rodopio. Até as barracas abanariam.

Não ficaram por aí no entanto os motivos. Outros bem mais complicados surgiram. Vivemos num tempo em que os horizontes se encurtam no exacto momento em que se devem começar a abrir, e a geração procriadora vê-se esbarrada contra um muro que lhe esconde os dias de amanhã. Não consegue deitar mãos na construção de um futuro que já não é o que era, e de cuja existência chega a duvidar.

Mandar vir filhos é verdadeiramente um acto de coragem hoje em dia. Queiram entender isto os governos de maneira a que se mude a situação, que não faltarão por aí choros de bebé. Digo eu que em bom tempo fiz a minha parte.


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