Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os livros e a liberdade

Seria somente mais uma madrugada daquelas que valem sempre o suceder porque são o berço do sol a nascer.

Mas não. Num repente, brotaram cravos nos canos das espingardas e as flores cresceram ao redor da esperança vinda do tempo sem idade.

Encantaram-nos e desassossegaram-nos. Depois, mais completos seguimos pelas veredas rumo ao canteiro da liberdade plantado em abril.

Sempre incompleta, mas sentida, ela é feita de pedaços mais de mil. Estilhaçados, os bocados, buscam o sentimento e a individual vontade, para que una, se permita ao outro a cada momento.

E então, no desenhar de cada sorriso partilhado, se verá aquele brilhozinho no olhar que nos indica o saber ser e o para onde se caminhar cientes que mais importante que o ponto de destino, é o percurso feito pelo caminho.

Sabedores, porque vemos, ouvimos e lemos, não ignoramos porque não devemos e não podemos. Os livros guardiões do conhecimento vertido e registado pelos antes de nós e por nós para uso dos que nos seguem no devir, são os muros de suporte nas avenidas da vida feita de trabalho e de sorte.

Integrados e integrantes erguemo-nos em cada manhã na conquista de cada dia que antecede a noite ansiada e esperançosamente sossegada até que no céu surja a alvorara renascida das cinzas branqueadas pela espuma dos dias.

Feita flor bela e frágil a liberdade espera a cada instante ser cuidada. Com as pétalas ao vento desde aquele nascer do dia assinalado pelo brilho da estrela d’Alva quando os medos se findaram e os mais sublimes desejos se marcaram, estende a suas gavinhas agarrando-se nas nossas almas feitas ninhos de esperança.

Viajantes sedentos de conhecimento, podemos fazer de cada página de livro um cavalo alado que nos leva a todo o lado. Segurando as rédeas tendencialmente soltas pela imaginação na demanda da liberdade de que precisamos porque dela sabemos, não paramos e exigimos.

Sabendo conquistamos e respeitamos. Vencemos porque valorizamos. Cuidamos para sermos cuidados. Aprendemos de cor as canções de amor e as notas da resistência que nos fazem melhores e mais fortes. Cuidamos dos silêncios sentindo as melodias que nos transcendem quando se entendem.

Lendo e escrevendo, crescemos. Conhecemos paisagens e gentes. Voamos, pedalamos e calcorreamos. Ensinamos e aprendemos. Damos e trocamos. Recebemos e devolvemos na eternidade de cada segundo no fio da vida que segue o prumo.

Lendo e escrevendo saboreamos melhor o seu sumo com sabor a mel, mas também de oras em quando agridoce na sua inevitável essência filtrada pela nossa consciência de cidadãos livres e pelejadores nas batalhas em prol da igualdade e da justiça, donzelas imaginadas à espera do beijo que faz despertar para o se amar.

No se viver, cada livro pode e deve ser um esteio nos prados onde medra e se desenvolve a liberdade. Um livro, pode-nos acalmar, mas também nos pode desinquietar unicamente porque semeia em nós o querer saber mais na medida em que aumenta a nossa ignorância perante a imensidão daquilo que desconhecemos.

A vida é uma viagem sem volta em busca do que não temos. Em cada etapa alcançamos e em cada curva vislumbramos o desenho dos nossos desejos para as manhãs por acontecer.

Por isso seguimos conscientes que ninguém é feliz na solidão se não estiver acompanhado.

Ser livre e deixar que o outro também o seja, é antes de tudo um estado d´alma, uma atitude cheia de plenitude. Ler e escrever ensina e molda este estar. Ajuda-nos no assumir e no permitir a qualidade de cidadão.

Somente vivendo livres poderemos dizer que a vida vale a pena. Só assim alma alguma é pequena porque na substância do tempo em que habitam não há medida. Não há longe nem distância, pois a jornada é feita nas asas das gaivotas que ensinam a voar sem receio de cair.

Os livros impedem a queda.



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