Manuel Igreja

Manuel Igreja

Ir ganhar o dia

Ir ganhar o dia, é a mesma coisa que se dizer que se vai trabalhar para ganhar o dinheiro que permite o sustento. Pode ser por conta própria, mas também pode ser por conta de alguém, um patrão, como por certo vossas senhorias saberão.

Hoje em dia é algo comum e pacífico, ainda que não universal, pois infelizmente como também estarão cientes, existem milhares de pessoas que mesmo almejando e muito necessitando, não conseguem trocar força de trabalho por pecúlio que permita viver com o mínimo de dignidade.

Bem sabemos que também existe muita gente que se dá à calacice e comodamente nada lhe custa viver à custa do suor dos outros, mas isso são outros quinhentos, ou vinho de outra pipa, como se costuma dizer cá pelas nossas bandas, terra onde se cultivam os vinhedos e se aram os campos de granjeio onde medram as novidades.

Hoje em dia é tudo ou quase tudo com uso de maquinarias, o que torna tudo mais fácil, o que não impede que, no entanto, haja bastante falta de gente para trabalhar, mas houve um tempo, em que era ao contrário, pois a labuta na lavoura era toda feita com a força que te tinha no corpo e com a vontade que se ia buscar à alma.

Nessa altura, e ainda se não passaram muitas décadas, havia excesso de quem necessitava de vender a força por pouco dinheiro para poder pôr o pão e o vinho sobre a mesa, ao mesmo tempo que havia quem precisava e podia escolher quem rogar para a jorna feita granjeio em que as enxadas eram canetas e os campos o papel a ser escrito.

Ainda me lembro. Pelo início da tarde os homens colocavam-se no largo da aldeia à espera que viesse este ou aquele proprietário deitar o olho a quem esperava a escolha. Quase nem havia conversa, pois as regras eram sabidas ainda que não fossem ditadas.

O preço era o que se haveria de ver e o tempo de trabalho era para aquela tarde ou para aquele dia. Tudo rolava e tudo se fazia. Era magro o pecúlio ao invés do suor que escorria pelos rostos e encharcava os trapos, mas não se podia regatear a força nem alimentar a molenguice sob pena de não se ser rogado para a função fonte de ganha-pão.

Quem assim não fizesse, virava proscrito. Estava condenado a nem sequer conseguir casamento. Rapariga alguma queria para companheiro de vida alguém que não conseguisse ganhar o sustento e possibilitar o lento, mas hercúleo erguer de uma casa de bens por menor que viesse a ser. A ambição feita objetivo de vida pouco mais era que isso.

As comodidades não interessavam nos quotidianos em que os desejos eram com os furtivos beijos. Se as houvesse, menos mal, mas antes havia que se aforrar para se ir conseguindo alguns bens ao luar nunca sentido como belo, pois o romantismo ficava-se pelo bailarico nas tardes de domingo e pelas promessas feitas em redor da casa dos pais da rapariga.

Ser escolhido as mais vezes possíveis para ir ganhar o dia, era pois então a condição principal na abertura dos caminhos da vida rompidos por entre silvados que faziam rasgos na pele deixando marcas nos valentes que ergueram obras sem medida.

Ir ganhar o dia era ganhar a vida. Uma conquista que nos persegue e se consegue quando mais vale quebrar que torcer, pois estar-se vivo é muito mais que se não morrer.


Partilhar:

+ Crónicas

A Cidade

Abandonados

A memória

A Democracia armadilhada

A Agricultura

Há lodo no país

Os Fundos

A Oeste nada de novo

Um texto que doeu

O olhar