Projetada por um executivo socialista, construída por um executivo social-democrata, a ETAR de Bragança é, desde há mais de um quarto de século, o símbolo perfeito do jogo de voleibol político local: ora de um lado, ora do outro, sempre no ar, nunca resolvida.
Na mesma data, ficou (quase só) também por inaugurar o Parque dos Calaias, rebatizado com pompa e placa como Parque Eixo Atlântico. Mudaram o nome e a placa faz referência ao executivo PSD, nunca entrou num jogo de voleibol, normal.
Já a ETAR não teve tanta sorte, ninguém quer ser pai. Fica onde está, de frente para o coração patrimonial de Bragança, a intrusa teimosa que ninguém quer, mas que também ninguém tira. Incomoda, sim. Incomoda o olhar, incomoda o nariz, incomoda o orgulho e incomoda a UNESCO, ao indeferir a candidatura da Cidadela a Património Mundial.
Porque não falamos de um mero “problema estético”. Falamos de uma estrutura volumosa, descontextualizada, mal integrada, com um histórico de deficiências funcionais e descargas regulares de efluente insuficientemente tratado para o rio Fervença, o qual desagua no Sabor, contaminando cursos de água, prejudicando ecossistemas e descredibilizando qualquer política municipal de sustentabilidade.
A proximidade à cidadela: muralhas, Torre de Menagem, Domus Municipalis, Pelourinho é uma aberração urbanística com consequências diplomáticas: é sabido que a presença visível e odorífera da ETAR será sempre um entrave à certificação da Cidadela como Património Mundial. E isso não é uma questão de gosto. É uma questão de critério.
Quanto ao funcionamento técnico, este tem sido tão errático quanto a gestão política do equipamento. A carga hidráulica varia, o tratamento biológico falha, os maus cheiros alastram. Para quem visita a cidadela ou a cidade de Bragança, tal como os residentes, o primeiro impacto olfativo dificilmente combina com a imagem de uma cidade que se pretende moderna, limpa e atrativa.
Entretanto, o turismo… espera. Espera que o jogo de voleibol acabe. Espera que alguém se responsabilize na resolução do problema.
O que é esperado, ao próximo executivo do município: ambição e critério:
1. Prazo imediato (6 meses): conceção e instalação de uma cobertura paisagística que dissimule visual e parcialmente o impacto da ETAR na envolvente histórica, aliada a intervenções técnicas de curto prazo que minimizem as emissões odoríferas e aumentem a eficiência do tratamento.
2. Prazo político (um mandato): em coordenação com a empresa Águas de Trás-os-Montes, elaborar um projeto de relocalização da infraestrutura, com estudo de impacte ambiental, estimativa orçamental realista e calendário de execução. A nova ETAR deverá cumprir três critérios essenciais: eficácia, afastamento da zona histórica e integração ambiental.
Assim, a intrusa poderia finalmente deixar de ser uma vergonha adiada e tornar-se uma solução concretizada. Deixaria de ser um pretexto de campanha para passar a ser uma obra feita.
Porque Bragança necessita sobretudo de executar. Necessita de se projetar no Mundo e a UNESCO é uma das portas. E enquanto continuarmos a mascarar os problemas com placas inaugurais e jogos partidários, os sonhos continuarão a cheirar... mal.
“Sem sonho ambicioso, Bragança nunca será cativante”