Batista Jerónimo

Batista Jerónimo

Querem mesmo rever a constituição

Nota prévia: O texto constitucional, deve ser estável e duradouro, já a legislação produzida pela Assembleia da República (e outras entidades com competência legislativa), desde que respeite os limites e princípios estabelecidos pela Constituição, permite acompanhar com agilidade suficiente a velocidade das mudanças tecnológicas e sociais.

Em tempos de grandes transformações - sociais, tecnológicas e políticas - é natural que surjam apelos à revisão constitucional. Contudo, nem todas as mudanças exigem alterações nos alicerces da nossa democracia. Algumas sim. Outras, não.

Uma alteração que considero essencial à Constituição da República Portuguesa prende-se com o combate eficaz ao enriquecimento ilícito. Em Portugal, o ordenamento jurídico continua a exigir que seja o Ministério Público a provar a origem ilícita de patrimónios que claramente ultrapassam os rendimentos legais dos seus titulares e mostram sinais exteriores de riqueza. Este princípio decorre da presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º da Constituição. É, sem dúvida, um princípio fundamental num Estado de Direito - mas será, em todos os casos, intocável?

Parece-me que, no combate à corrupção e à criminalidade económica, é tempo de ponderar seriamente a inversão do ónus da prova em casos específicos de sinais exteriores de riqueza injustificada. A realidade é dura e teimosa: há patrimónios que se acumulam sem qualquer correspondência com rendimentos legais e declarados. O que proponho é simples: que passe a caber ao detentor de património suspeito o dever de provar a origem dos bens, e não ao Estado provar o contrário.

Vários países europeus, já caminharam nesse sentido. A inversão do ónus da prova, devidamente enquadrada e delimitada, não nega a presunção de inocência - reconhece antes que há contextos em que a opacidade é uma arma e a clareza deve ser um dever.

Naturalmente, tal mudança exige ponderação e rigor constitucional. Pode envolver uma revisão do artigo 32.º, ou, em alternativa, a criação de um regime jurídico autónomo que opere no plano administrativo ou cível, fora da lógica estrita do processo penal. Mas o essencial é não continuar de braços cruzados perante a impunidade disfarçada de legalidade – deixo para quem entende de a matéria enquadrar a melhor solução.

Por outro lado, há temas que, embora relevantes, não exigem a revisão constitucional (diz um leigo) que alguns apregoam. Refiro-me a questões como a inteligência artificial, as redes sociais, os fenómenos migratórios ou o reconhecimento legal da identidade e orientação de género. Nestes domínios, acredito que o quadro constitucional já oferece os princípios orientadores necessários - dignidade humana, igualdade, liberdade, autodeterminação - e que a lei ordinária tem a agilidade suficiente para adaptar-se aos novos desafios.

Ao contrário do texto constitucional, que deve ser estável e duradouro, a legislação produzida na Assembleia da República permite acompanhar a velocidade das mudanças tecnológicas e sociais, veja-se o caso da privação da liberdade aquando da pandemia. Regular algoritmos, definir responsabilidades nas plataformas digitais, acolher e integrar migrantes ou garantir o respeito pelas identidades pessoais - tudo isto pode e deve ser feito no plano legislativo, com debate democrático e atualização constante.

Em resumo, a Constituição deve mudar só quando está aquém daquilo que o país precisa - como no combate à corrupção. Mas deve manter-se firme onde já consagra os princípios essenciais da convivência livre e justa.

A coragem de reformar é tão importante como a sabedoria de não mexer onde não é preciso, sendo o caso.

Baptista Jerónimo, 02/06/25



Partilhar:

+ Crónicas