Lídia Jorge: Uma peça literária sem presente nem futuro.
Lídia Jorge: Uma peça literária sem presente nem futuro. Marcelo: não surpreendeu.
O discurso de Lídia Jorge nas comemorações do 10 de Junho de 2025 foi, “indiscutivelmente”, uma obra literária de grande qualidade: pelo que a crítica avalizada reconhece. Com domínio da linguagem e da metáfora, atravessou séculos de História, evocou Camões, denunciou a escravatura e enalteceu a mestiçagem da identidade portuguesa. Foi, como se costuma dizer, uma narrativa da História que provavelmente ficará para a história - bem contada, bem estruturada, culturalmente rica – um bom texto de uma historiadora ou, a narrativa será posta em causa?
Mas ficou por aí.
Portugal enfrenta hoje desafios que não são simbólicos nem literários: a crescente precariedade, a emigração silenciosa de jovens qualificados, o envelhecimento demográfico, a tensão em torno da imigração mal gerida, a insegurança no acesso à habitação e à saúde. Nada disto encontrou eco no discurso. Não houve diagnóstico, nem propostas concretas. Falou-se do passado, de valores universais - mas não do presente, nem dos dilemas reais do futuro. Podemos desculpa-la, talvez, porque não era o momento adequado? Então, não era o dia de Portugal?
Mais surpreendente – embora sem surpreender - foi a escolha do Presidente da República em seguir o mesmo alinhamento, sem coragem institucional sobre a erosão da confiança pública. Este discurso, fica para as suas memórias pela “mistura” e “ninguém é mais português que o outro”, celebrando o país das “pessoas comuns”. Era esperado uma menção às crises políticas, à instabilidade governativa, às tensões sociais ligadas à imigração, à habitação, à justiça ou, porque não ao SNS. Marcelo Rebelo de Sousa, com responsabilidades institucionais e políticas claras, optou por alinhar com a visão simbólica de Lídia Jorge - tudo pertinente, sim, mas insuficiente. Quando se esperava que assumisse uma palavra firme, clarificadora, mobilizadora, preferiu a harmonia poética: nem a nove meses de deixar o cargo teve coragem de assumir o papel de verdadeiro líder da nação.
Acresce que num momento crítico de guerra na Europa e no mundo, Marcelo, como Comandante Supremo das Forças Armadas, optou pelo silêncio cúmplice enquanto o país se prepara para gastar milhões em armamento, demonstrando uma ausência de liderança, responsabilidade e coragem para enfrentar os desafios globais que ameaçam a nossa segurança e o nosso futuro.
Num tempo em que o país vive entre a desilusão e a urgência, era preciso mais. Era preciso a coragem de tocar nos pontos fraturantes, para nomear os bloqueios, para indicar caminhos. Era preciso política - no sentido mais nobre do termo - e não apenas retórica, por mais bela que fosse.
Ficámos com literatura. Mas o que o país realmente precisa é de responsabilidade do mais alto Magistrado da Nação. E essa responsabilidade continua a faltar.
Foram discursos de leitura interessante, mas, de consequências nulas.