A nova secretária de Estado do Ensino Superior, Cláudia Sarrico, defendeu recentemente, num artigo publicado no Observador, que “as propinas de licenciatura são baixíssimas” e que o modelo atual de ensino superior gratuito é “regressivo”, por beneficiar desproporcionalmente os mais privilegiados. Como alternativa, propõe a adoção de um sistema de empréstimos contingentes ao rendimento, semelhantes aos praticados na Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra, em que os estudantes pagam os custos da sua formação consoante o seu salário futuro. Com os salários praticados em Portugal!
Mas esta proposta, além de socialmente injusta, é politicamente desajustada e constitucionalmente questionável. O artigo 74.º, n.º 2, alínea e) da Constituição da República Portuguesa estabelece que incumbe ao Estado “estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”. O que se propõe agora, no entanto, é o caminho inverso: consolidar e expandir um modelo assente em encargos diretos, ainda que diferidos no tempo, para os estudantes e as suas famílias. Será uma forma de privilegiar o ensino privado?
É legítimo esperar que quem ocupe cargos governativos tenha, no mínimo, conhecimento da Constituição da República. Propor um modelo que contradiz diretamente o artigo 74.º não é apenas um erro político - é um desrespeito pelo quadro legal que deve orientar qualquer política pública. Trata-se de um sinal preocupante, não apenas de insensibilidade social, mas de contrariar as obrigações constitucionais do Estado.
Apresentado como justo e “moderno”, este sistema ignora a realidade concreta de milhares de estudantes portugueses. Fora dos grandes centros urbanos, as propinas não são o único custo associado ao ensino superior - e nem sequer são o mais pesado. Alojamento, transportes, alimentação e material escolar são despesas que transformam a frequência universitária num verdadeiro fardo financeiro para muitas famílias da classe média. Estas famílias, frequentemente excluídas dos apoios sociais, encontram-se também sem margem económica para suportar tais encargos - muito menos para aceitar a perspetiva de um endividamento futuro prolongado.
O modelo proposto representa, assim, uma perigosa inversão do caminho trilhado desde o 25 de Abril. Ao insistir em tratar a educação como um gasto individual e não como um investimento e bem público, o governo arrisca-se a promover a elitização do ensino superior e a afastar das universidades os jovens com menos recursos - precisamente aqueles que a Constituição promete proteger.
O financiamento do ensino superior precisa, sim, de debate sério e soluções sustentáveis. Mas começar por penalizar os estudantes - obrigando-os a assumir uma dívida futura - numa altura em que tantos já vivem no limiar da exclusão académica por razões económicas, não é reformar: é recuar. É amputar os sonhos dos jovens do interior e condená-los a escolher apenas os cursos disponíveis localmente ou, pior ainda, a dizer aos pais que, para garantir um futuro melhor aos filhos, têm de migrar para o litoral. Será esta a coesão territorial que este governo defende?
Resta saber se o primeiro-ministro conhecia o pensamento da senhora Cláudia Sarrico quando a nomeou para o cargo.