Manuel Igreja

Manuel Igreja

Carta a Cristina Ferreira por mor de uma receita

Cara Cristina

Espero que esta minha carta a vá encontrar de perfeita e feliz saúde na companhia dos que mais estima, que eu e os meus cá vamos indo ao jeito que Deus quer. O rapaz anda nos computadores e a menina faz vestidos por medida.

Antes de mais, peço desculpa pelo atrevimento, mas tenho para mim que a menina não é de ligar assim a certas coisas, assim como não será capaz de se dar a salamaleques.
Não deixo de gostar do seu feitio direto e dos seus falares a saírem que nem uma lufada lá dentro da boca depois de terem formado ondas que fazem vibrar as cordas vocais que nem arco de violino.

A menina saberá que a voz, ou antes, as palavras que botamos cá para fora são muito importantes e devem ser bem ouvidas. Nisso a minha cara dá cartas. É expressiva e expressa-se num primor. Por isso tem o país aos pés, digo eu, elegantes ao ver pelo resto do corpo.

Mas indo adiante na missava que tenho o gosto de lhe remeter. Deu-me para isto para lhe dizer que apesar do meu pouco tino para a cozinha, também tenho uma receita que é de fazer lamber os beiços aos anjos do céu, que ao que dizem unicamente pecam por causa da gulosice.

Tenho reparado que em sua casa recebeu e está pronta a receber figuras gradas da nossa praça que fazendo de nós tolos, vão para a sua cozinha fazer bolos para exibir a quem quer ver. Com espanto, ou se calhar não, os convidados vão de ponta a ponta do espectro político. Lá nisso não há que dizer.

Quanto aos menus também não. Foram variados. Ele foi arroz de atum, ele foi cataplana, ele foi nem sei que mais. Tudo embrulhado em ares muito embebecidos e em modo de stand em quermesse na paróquia que este nosso Portugal teima em continuar a ser com os bispos e os cardeais sempre preocupados em indrominar as almas.

Que lhes faça bom proveito como faz à minha cara, que ao que dizem, de cada vez que abre a porta, entra-lhe casa adentro uma revoada de notas de euro. Com essas e mais com as que se debitam em sons, bem se pode dizer que a sua mansão é sítio onde acontece forte arraial.

Mas voltando à minha receita antes que me esqueça e me despeça sem dizer ao que vim. Claro que não sou figura pública ou algo que se pareça, mas garanto-lhe que o repasto é de truz. Tenho treinado. Já ficou meio cru, já ficou estorricado, mas agora está no ponto. A sério.

A caneta estava a fugir para o revelar agora, mas acho melhor não. Assim cria-se mais suspense. Como diz o povo a curiosidade matou o gato. Convide-me para ir a sua casa e vai ver. Só lhe garanto é que não é este esfolado.

Por falar nisso. Olhe, só lhe digo que esfolados andamos nós todos com excepção de um ou outro, quase sempre os que esfolam, dizendo que não esfolam e prometendo acabar com os esfolamentos. Estamos cada vez mais pelados. É o que é.

Com esta me fico despedindo-me até um dia ou até à volta do correio.


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