Constâncias e Ausências

Hoje vou escrever um pouco sobre os últimos tempos e a minha visão do que se passa em meu redor. Não faz ainda 4 meses que estou cá, nem nada absolutamente precioso e diferente aconteceu, apenas o dia-a-dia que se vai tornando constante e rotineiro nas suas peculiaridades e incertezas.

O ritmo é insano! Não, não comparem a Lisboa, muito menos a Bragança. Não comparem com Portugal, com Espanha, com a Alemanha ou com qualquer outro sítio no mundo... Tudo aqui é tão diferente que nem palavras foram inventadas ainda para descrever!

Sinto que as diferenças começam a aumentar, quando, principalmente, comparam o que se faz aqui com o que se faz na minha terra natal. Sinto-me quase insultada pela incompreensão ou pelo irracional raciocino de quem tenta se quer comparar ou imaginar.

Mas sinto que isso, também, é de mim, pois sinto a mudança a cada dia que passa...

Não como com talheres há meses e, recentemente, dei por mim a comer uma hambúrguer de garfo e faca! Mas a diferença não passa pelos utensílios que uso para comer, poderia usar as mãos em ambos os sítios que, realmente, a mudança é inevitável. O dia-a-dia muda-nos ou perdemos a paciência ou aprendemos a tê-la!...

Entre amigos, contam como muitos se desapaixonaram ou cansaram e agora vivem num mundo "Western" da China. Talvez me aconteça o mesmo, mas neste momento nem sou chinesa nem portuguesa... Gosto do termo "Oversea" (além-mar) assim como gosto de pensar que pertenço ao mundo por inteiro... E é de facto verdade...

Aqui é onde nasce o Sol, quando eu estava habituada a ver o pôr-do-Sol.

Aqui nasce uma família multicultural, ninguém é de facto de Beijing, e entre nós falamos inglês, português e alguns pontapés no chinês... Mas o sentimento de desapego surge quando o que consideramos certo, uma vez mais deixa de o ser... Alguns amigos começam a partir... Ou mudam de cidade, ou regressam... Alguns não sabem quando voltam...

Do pouco tempo que aqui estou, do que já aprendi e do que ainda tenho para aprender, há três coisas que essas, a nossa vida pode ficar de pernas para o ar, mas estas são certas:

  • Tudo na China é possível;
  • Tudo é inconstante;
  • E nada, mas nada deve ser considerado como certo ou óbvio.

As amizades são verdadeiras e únicas e tudo é vivido intensamente, mas nem todos somos feitos do mesmo pó e alguns vão e vêm para nos ensinar que o olho aberto tem que se manter...

Quase todos nós acabamos por apontar coisas negativas da cidade, do pais ou da população... mas talvez seja apenas para nos rirmos. Na verdade, sabemos que voltar é um tormento. Antes era a China que era diferente, agora o nosso país é diferente demais!

A língua continua a ser um entrave, mas o estudo tem sido exaustivo, de forma a conseguir não parecer perdida na terra... A cada dia que passa menos perdidos!

A comida e a consciência pela saúde são das melhores coisas que a China tem. Não dispenso uma Dandan Noddle, bem, bem picante como deve ser...  Já para não falar da comida de rua, como jianbing ou uma espetada de cordeiro. Talvez por isso me estou a ver terrivelmente mal em perder peso! Um jantar aqui, outro jantar ali, "Olha um restaurante novo!", "Hum, hoje vou mandar vir comida..." E assim, com esta conversa, 5 ou 6 dias por semana é comer fora o que nos apetece e em quantidades bem chinesas.

Literalmente pedimos comida à moda chinesa: imensa comida e tudo de uma só vez em cima da mesa.... E assim vamos petiscando daqui e dali, enquanto o nosso prato se mantém limpo.... Perdemos a noção do que comemos até realmente não caber mais nada... E deixei de saber o que era uma refeição completa que começava com sopa e terminava com sobremesa ou doce ou fruta, e no fim um café!...

Há momentos que detesto, há momentos que adoro! Mas isto é em qualquer parte do mundo e em qualquer dia.  A vida aqui não é fácil, mas não é fácil em lado nenhum.... Aqui aprendemos a ser apenas diferentes.... Tão diferentes que tudo passa a ser normal e tudo que sabíamos passa a ser visto, também como diferente...

Os chineses são bastante "terra-a-terra" e naturalistas, o que o corpo tem, o corpo deve ter e assim deve ser. Talvez por isso andem peludos, eles e elas... Mas não todos... O corpo é assim, então assim deve manter-se. Agora no Verão, andam sem t-shirt ou de t-shirt levantada para arejar a barriga! Imagino isto acontecer noutro país e quase ser acusado de ultraje público ao pudor. Mas aqui, já perdi a conta a quantos umbigos e mamilos vi no meio da rua.

Vão caminhar depois de jantar, mas muitos vão de pijama! No entanto, descalçam-se à porta de casa para não levar a sujidade dos sapatos para dentro.

Sentam-se na posição de caçador onde calha e lhes apetece. Ficam a descansar ou a ver o telemóvel, seja à conversa ou a jogar!

No meio desta veracidade toda deles, e desta conexão tão verdadeira com o próprio do seu ser, depois no dia-a-dia muitos deles, ou a maioria, é individualista, materialista ou até invejosa! Nada agressivo, mas talvez seja assim pelo seu passado e história!

Nesta sintonia e relação "terra-a-terra", também vemos que a sua preocupação com o mundo ou ambiente é zero, felizmente há quem faça o seu trabalho em limpar as ruas e reciclar....

Mas é nestas inconstâncias que muitas vezes perdemos a paciência ou não conseguimos bem entender...

Mas a verdade, é que a maneira de entender, viver e aceitar parte de nós!...


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