Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os Sonhos

Sonhar. Ambos sabemos o que é. Quer eu que teclo para que as palavras alinhadas sejam desenhadas, quer vossa senhoria que depois a está a ler, entre o deitar e o erguer da cama e quando o deus Morfeu nos contempla com o seu beneplácito, sonhamos.

Destapasse-nos o alçapão do inconsciente e entramos no reino num reino que é nosso, mas não sabemos de onde bem nem onde fica. Saltam-se então paisagens e personagens, locais planos e abismais, recordações e amolações, acontecimentos que nos deliciam, mas também visões que nos inquietam os corações, como se tudo aquilo seja mesmo assim e sem mais.

Dizem os doutores do assunto que tudo se desenrola na eternidade de uns segundos apesar de todo o tempo nos parecer real e completo enquanto se desenrola a ação. Não sabemos, pois não medimos. Mas sentimos o viver e o acontecer numa outra dimensão. Umas vezes gostamos e noutras até nos arrepiamos.

O certo é que através do maravilhoso e insondável processo de sonhar, visualizamos fronteiras sem limite, gente sem eira nem beira, mas também gente de muitas posses ou remediadas de teres e haveres. Muito possivelmente nada daquilo existe porque nasce e morre unicamente para nos ser possível sonhar vindo daquilo que não tendo nome, está cá dentro e que somos nós.

No entanto sonhar não é somente isso. Sonhar sem que os sucedimentos advenham dos sonhos enquanto se dorme, pode também ser uma questão de atitude. Pode ser almejar. Pode ser imaginar. Pode ser razão de lutar. Pode ser razão de amar. Pode ser razão de se guerrear. Pode ser razão de se viver e de se morrer.

Desde sempre o ser humano sonhou por isso o mundo feito bola colorida nas mãos de uma criança pula e avança como diz o poema. É porque o Homem se eleva na sua dimensão se torna herói e faz acontecer mesmo sem saber a hora, mas ousando. Quantas vezes não sabendo que é impossível inventou, concretizou, materializou e disponibilizou.

Não tivessem ousado os pioneiros malucos das máquinas voadores subir bem alto e ainda hoje os aviões se não veriam sobre as nossas cabeças. Mas antes, não tivesse o padre Bartolomeu de Gusmão a casmurrice e a ousadia de apresentar ao rei D. João V a sua passarola e nem aqueles ousariam a feita de planar. Sabiam que só pode voar quem ousa cair e voaram.

Não fossem os poetas uns sonhadores, e jamais a humanidade conheceria o esplendor da escrita que nos sublima e nos faz habitar na substância do tempo onde não há longe nem distância e onde jorram os sentimentos cuja raiz machado algum pode cortar.

Sonhar é preciso. Seja pelos sonhos que vindos do nosso abismo interior nos levam ao paraíso, seja pelos sonhos que cavalgam as asas dos nossos desejos, somente assim seremos a alavanca que faz mover o mundo na direção daquilo que é melhor.
Sonhos.


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