Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os Náufragos

Desde que o mundo é mundo, a Humanidade move-se de um lado para o outro à procura de melhores condições de vida e à procura de um futuro melhor, mais não seja por instinto de sobrevivência e por necessidade de conquista de um lugar ao sol.

Está-lhe na essência. Assim que se formou em grupo e teve noção de si e dos outros que lhe são e lhe estão individualmente perto, os seres humanos deambulam e buscam. Conseguem fazê-lo em nome de um objetivo determinado e imaginado e nisso se distinguindo. Da soma das partes e dos interesses individuais nasceu a ideia de grupo e mais o apelo de seguir rebuscando, procurando e construindo.

Graças a esse fenómeno, o pequeno grupo inicial e localizado no continente africano, foi ocupando contra ventos e marés nas tempestades e nas tormentas aquilo que é o mundo como hoje o conhecemos.

Os nossos antepassados no fundo dos tempos ansiaram, lutaram, multiplicaram-se e vieram dar em nós naquilo e em tudo o que temos e somos. Não se aquietaram durante dezenas de milhar de anos e caminharam sem parar, até que a ideia e o sentimento mais arreigado de si e dos que morriam fez com que lhes surgisse a necessidade de se fixar.

No entanto, mesmo assim não deixaram de procurar os locais onde lhes pudesse e possa nascer mais um pouco de abundância e de calmaria para que haja mais um migalho de comida na mesa condimentando a vida com sonhos e com ambição do melhor.

Está nos livros este nosso modo errante. No entanto no nosso egoísmo e na atafona dos nossos dias atascados de espuma esquecemo-nos ou fazemos por nos esquecer, se calhar para que a consciência nos pese muito menos quando olhamos para o lado para não vermos o que se passa em redor.

No mar Mediterrâneo, berço da civilização ocidental, a nossa, desde há anos verdadeiras e lacerantes tragédias se desenrolam sem que nos belisquem a não ser na brevidade de uma notícia na televisão. Milhares e milhares de filhos de deuses menores, tentam passar para a outra margem deixando para trás o pesadelo materializado em silvos de morte por entre os escombros.

Nós ouvimos e lemos e ignoramos ao ponto de aquele mar ser agora o cemitério da nossa decência, enquanto os nossos líderes sem carisma e sem as componentes que fazem os estadistas, pouco ou nada fazem, porque sabem que não têm de responder a ninguém e somente acham que devem agradar a quem os elege.

Eles e nós, mesmo sabendo que foi a política dos nossos supostos interesses vistos por visões de curto alcance, que levou a que se mexesse no vespeiro originando aquele inferno na terra, inseguros e cobardes constroem muros para parar o que é imparável, sem que se procure o remédio para o mal na origem, na causa das coisas que faz com que o quotidiano se torne insuportável onde nunca foi coisa boa.

Nem sequer sabendo que sofrendo de uma vastidão de falta de gente em pleno inverno demográfico e que a Europa para se manter dinâmica que baste necessita, de acolher gente como de pão para a boca, tardam a encontrar medidas que permitam acolher com regras e sem fazer perigar a identidade e o nosso modo de vida.

Temerosos, nós e quem manda, medimos tudo pela mesma rasa. Hienas e chacais de ambos os lados, aproveitam-se e amedrontam. Falcões e pombas voam e influenciam, mas nada acontece, a não ser o futuro adiado porque os caminhos que lhe vão dar estão pejados de cadáveres, de ignorância e de falta de bom-senso.

Ao fim e ao cabo, todos somos náufragos com sonhos incumpridos e adiados.



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