Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os escombros dos nossos valores

É mau de mais. As notícias que nos chegam dos Estados Unidos da América, é muito mau. Mesmo. Uma pessoa do lado de cá do mar pode pensar que lhe não respeita o que se passa do lado de lá e encolher os ombros, mas engana-se redondamente.

O mundo é pequeno, mesmo muito, e tudo que se passa ali ou além, tem consequências seja onde for. Muito mais, quando os desmandos se desenrolam no país que para o bem e para o mal, tendo sido desde há um século a matriz do mundo ocidental.

No entanto, e antes de mais, há que comparar as realidades históricas que tendo muito em comum, têm ao mesmo tempo diferenças abissais no que toca à origem de cada Nação deste nosso lado do globo, sem dúvida alguma a parte onde se foi mais longe em termos de evolução e de civilização.

Venha quem vier, temos muito pouco a aprender com outros. O problema, contudo, é que tendemos a esquecer. Repare-se que a velha Europa com âmago na civilização grega e na civilização romana andou desde quase sempre em guerra entre si, mas consolidou-se com a harmonia possível depois da Segunda Grande Guerra.

Pelo seu lado, a América que se fundou como Estado independente há trezentos anos, mais coisa menos coisa, a contragosto do colonizador, nasceu igualmente a ferro e fogo consolidando no seu seio gente muitas vezes do pior e de muitas partes. Pioneiros de revólver em punho contra índios de arco e flecha na mão. Escroques feitos heróis e heróis feitos escroques em todas as partes.

Desenhou-se e concretizou-se como país, à força de muita bala, de muita porrada, de muito roubo, mas inquestionavelmente de muita coragem, de muita insegurança, de muito medo vencido e de muita fome, naquilo que resultou num povo diferente, com anseios e valores muito próprios, e com maneiras de valorizar muito lá deles.

Por isso, nós com os olhos de cá, tendemos a não perceber o que vai por lá, apesar de termos sido formatos pelo que se lá passa. Resulta pois então disto a questão de não nos podermos alhear. Temos inclusivamente de nos preocupar, quando inequivocamente por lá falta a lucidez e escasseia a racionalidade.

Não é uma questão de inteligência ou de falta dela. As circunstâncias das coisas do mundo resultantes da forma como fomos avançando, mas não evoluindo, podem explicar apoios a líderes sem qualificação, sem formação, com muita ignorância, mas com toda a arrogância.

Os assuntos da política deixaram de ser entregues a cavalheiros, para serem entregues a coveiros da decência, da verdade e da democracia, porque se deixou diluir a linha separadora da verdade e da mentira, da doçura e da amargura, barreira última em qualquer mundo civilizado.

Os bárbaros andam à solta e estão prestes a chegar. Por isso é que as eleições de novembro na América são se calhar as mais importantes desde que há memória. Se os trogloditas ganharem, pode dar o trangalomango à Democracia Liberal que nos orienta e nos sustenta o cariz e o carácter civilizacional.

Existe o risco evidente de ela politicamente não ter pés, por serem de barro, para aguentar os empurrões e os atropelos. Poderemos ir para um tempo em que todos sabem de tudo sem que alguém saiba a sério de alguma coisa, para um tempo em que a espuma antes de se esfumar esconde e ilude, para um tempo em que tudo vale sem que todos se importem.

Podemos estar perante o dealbar de uma época em que das ruínas de um império, surge pela primeira vez na História dos homens, um outro muito pior, mais perigoso e muito mais injusto.

Enquanto isso, os “inimigos “à espreita por entre os escombros dos nossos valores, sorriem. Vão apanhar-nos com tudo o que temos, mas ainda lhes não demos. Depois, calcam-nos e seguem. Mas não nos vencerão.

Estou em crer que haverá sempre alguém que resiste e diz NÃO.


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