Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Engenheiro Mesquita Montes

Há coisas e pessoas na vida da gente que fizeram, fazem e vão fazendo com que a vida de cada um seja o que foi, o que vai sendo e o que virá a ser. Vamo-nos edificando recebendo exemplos, ensinamentos e influências e vamos sendo cada um com as suas circunstâncias que influenciamos e que nos influenciam.

Entre as muitas pessoas com que me cruzei e cruzo no decorrer da vida, esteve o Engenheiro Mesquita Montes recentemente falecido. Tive o privilégio de ter sido seu aluno na Escola Agrícola do Rodo há para cima de um ror de anos, no tempo em que poucos mais éramos que um punhado de alunos, ou seja, quando aquela ímpar escola dava os seus primeiros passos.

Era eu moço ainda imberbe, rapaz que ainda pensava que a vida era eterna, mas lembro-me ainda bem dele como professor. Aliás, ao que sei, este meu lembrar é comum a todos os que comigo ali aprenderam algumas e boas coisas acerca do mundo da vinha do vinho e de mais outras e maravilhosas do belo e essencial mundo da agricultura.

Posso jurar que ainda que os caminhos da vida não tenham sido para todos os da lavoura em termos de profissão, o arreigo pelas coisas do campo ficou bem colado na matriz que nos forma, graças a ele e obviamente a mais os outros professores que naquela época nos mostraram o encanto do saber fazer florir e a admiração da beleza que é ver um macho a puxar a churra.

Para todos nós, gaiatos assemelhados a pardais e a melros de bico amarelo, este professor era especial. Sabia ser-nos próximo. Um quase igual, só que mais velho. Encantava-nos com a sua postura e com o seu saber ensinar. Vinha diariamente de Leomil no seu jeep Land Rover que ainda vislumbro para exercer o seu mister de professorar. Assim que estancava o veículo, saltávamos para dentro dele que nem pitas e galos em galinheiros. Fazíamos ali a algazarra, e depois puxávamos dos cadernos e dos livros para de ouvidos atentos escutarmos o mestre.

Dadas que foram algumas voltas da minha vida, encontrei-o anos mais tarde quando regressei e pendurei os potes na Régua, que é como quem diz, onde passei a morar onde ainda moro e namoro. Onde fiz vida, ora alegre ora sofrida. Mal me viu regressado, de imediato os seus braços se abriram para um abraço e num ápice o seu sorriso se abriu em jeito de contentamento.

Estive com ele centenas de vezes e sempre senti a sua simpatia. Os laços entre nós estreitaram-se ao ponto de nos termos como amigos. Atendo que sempre fui e sou dos assuntos da lavoura duriense, ouvi-o inúmeras vezes, informei-me com ele sobre muitas peças e peripécias, soube de perto a sua ação enquanto presidente da Casa do Douro, ouvi testemunhos de terceiros acerca dos acontecimentos, sei da sua postura de lutador da causa comum a todo o duriense, e sei que era uma das poucas pessoas com conhecimento que baste acerca dos temas do Alto Douro Vinhateiro.

Mesquita Montes enquanto presidente da Casa do Douro foi um lutador incansável e corajoso. Andavam os dias tórridos no pós-revolução de 1974, com todos com muitas boas intenções, mas poucos com a serenidade que sempre urge, e a Casa do Douro foi referenciada como organismo corporativo a extinguir e sem lugar na nova ordem dos amanhãs que cantam.

Ele e mais uma mão cheia de mais alguns, souberam resistir contra a corrente, e valor dos valores, souberam acalmar os ânimos e souberam fazer ver e valer os seus pontos de vista e souberam conviver com os representantes do poder militar que então generosamente queria pugnar pela justiça e por melhores dias aqui no caso, para quem mourejava nos vinhedos a britar fraguedos e a cuidar das uvas.

Esteve vinte e cinco anos, mais coisa menos coisa, ao leme da tortuosa embarcação que é o Alto Douro vinhateiro no que se refere a resolver e a tratar dos assuntos do setor. Fez coisas boas e eventualmente algumas menos boas, mas falar depois e de fora é fácil, sendo que só não erra quem nada faz.

O Engenheiro Mesquita Montes, foi um dos últimos paladinos do Douro. Foi um dos últimos de uma época em que as dores e os sabores da região eram de todos. Sabia e defendia que a união faz a força. Sabia que mesmo que cada lavrador tenha o melhor vinho do mundo no seu armazém ou nas suas garrafas lindamente rotuladas, não existe outro caminho que não seja o do sentimento de pertença a uma terra e a uma atividade que celebram a obra humana.

Foi por isso que ele lutou. É por isso que o seu exemplo tem de ser seguido, corrigido no que tiver de ser, e melhorado no que se recomendar.



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