Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Bobi e o Tareco

Nuns dias que decorrem sem causas por causa da indiferença a tudo o que não reluz e não nos é imediatamente próximo, o interesse pelo Bobi e pela Tareco aumenta a olhos vistos, fermenta e espalha-se pelos campos onde nascem os sentimentos de cada um.

Não existe apartamento ou vivenda em urbe que se preze, em que não haja um cãozinho de estimação e um gato com muita apreciação, recebendo afetos em modos de gente, como se uma coisa não fosse uma coisa, e outra coisa não fosse outra coisa.

O mundo descamba com os tempos trocados, milhares de seres humanos deambulam ao deus-dará em busca de porto minimamente seguro em que se consiga lançar a ténue âncora da esperança, na casa do lado grassa por vezes a amargura, na rua para onde dá a porta não faltam visões de desespero, mas mais não importa o umbigo e o bicho a que se dá todo o sentido.

Afanamos-mos a erguer muros que nos resguardem de nós e dos outros, impedimos o toque de mãos e a troca de olhares por onde escorre e se sente a solidariedade e a amizade, não damos, não trocamos, unicamente granjeamos a vaidade que mostramos para que nos julguem mais pelo que parecemos do que pelo que somos.

Nos fugazes encontros perguntamos pelo estado do brilho do Bobi ou do Tareco, mas esquecemo-nos cada vez mais de perguntar como vai o menino ou a menina, o pai ou a mãe. Quando o fazemos ficamos sempre a saber que lá vão indo, logo depois de sabermos e dizermos que o bichano está cada vez mais inteligente e mais lindo.

O assunto dos bichos virou causa e até entrou pela política com cadeira no Parlamento, infelizmente salão mui nobre, mas muito pobre e vazio de ideias logo levadas pelo vento. Os muito urbanos que nunca estiveram num quintal, acham que um animal tem tudo de pessoal, que uma couve só não é como nós porque a sorte não lhe coube, e mandam querendo que os outros desmandem.

Obviamente que enquanto rural, homem que me sinto como do campo, amo qualquer animal e, não sendo nenhum santo, jamais farei mal a qualquer um porque o sei como também integrante da Natureza. Não esqueço e quero é que um ou outro venha a dar na minha mesa porque necessito e porque gosto.

Na troca de impressões e de afetos sempre dei e recebi sem medir e sem esperar apesar de muito os desejar, numa conquista que se faz sem pista previamente definida, pois a vitória só se consegue quando a permuta é verdadeira e mutuamente sentida.

Com os animais é mais fácil. Dão-se logo sem esperar receber o que se não pode comprar. Pode-se até exigir sem risco de remoque. Basta um toque e um passar de mão para que surja o aconchego exigido e tido como sentido.

A si que fez o obséquio de isto ter lido, um dia, daqui a muitos anos, caso saiba que feneceu, prometo desejar que a sua alma descanse em paz. Mas ao meu Bobi e ao meu Tareco só posso prometer que partirão deixando do que foram uma grande saudade. São animais. Não mais.


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