Manuel Igreja

Manuel Igreja

Nascem poucos bebés

Acabo de ler que Portugal teve uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo no ano de dois mil e dezassete. Nos trezentos e sessenta e cinco dias e noites que lhe deram o preenchimento temporal, nasceram oitenta e seis mil cento e cinquenta e quatro bebés, menos novecentos e setenta e dois que no ano imediatamente anterior.

Preocupante. Segundo quem sabe das coisas da demografia, o patamar mínimo para garantia do equilíbrio são novecentos mil nascimentos em cada ano. Parece-me, pois, que algo não está a correr bem nessa coisa de se fazer germinar nova vida nos úteros neste canto à beira mar plantado.

Já agora, a talhe de foice, permitam vossências que lhes diga que o ano da graça de Deus Nosso Senhor de mil novecentos e sessenta, o ano em que vi a luz do dia pela primeira vez, foi aquele em que se atingiu o pico. A partir daí foi sempre a descer. Foi aqui há uns dias, mas tombo no gráfico atrás de tombo, já deve fazer com que a curva se apresente bem dobrada.

Os alertas para a situação não são de agora, mas caiem sempre em saco roto e toda a gente faz ouvidos moucos. Constata-se o facto, encontram-se as explicações mais óbvias, culpa-se o abstrato, mas não se ataca o concreto. Fala-se dos dias que são uma roda viva, apontam-se egoísmos individuas, referem-se comodismos, prometem-se medidas avulso, mas as lusas barrigas femininas crescem cada vez em menor número.

Falta de jeito e de saber como fazer, de certeza que não é causa. Deus me livre de dizer tal coisa. Depois, algumas das razões que mencionei, não são por certo de todos descabidas. Também nelas existe muita ponta de culpa nesta vida que mais parece um jogo de sombras jogado de forma frequentemente louca por debaixo do barulho das luzes e por entre a espuma dos dias.

No entanto, ninguém me tira da ideia que a principal causa das coisas, reside nas vidas que não se desatam. A geração dos que hoje em dia merecem e querem ser avós, deu um verdadeiro nó cego no fio da meada antes de entregar o novelo à geração que se segue. Os homens e mulheres a quem compete mudar fraldas, têm de pegar no leme, mas o desassossego leva-os a tudo temer.

Convenhamos que alguém criado em quotidianos de boa-vai-ela neste admirável mundo novo em que cada um se centra em si, pouco ou nenhum apetite terá para horas de contrariedade e de exigida suprema paciência no acudir ao choro das criancinhas nos momentos em que cai a chupeta. Mas não é aí que reside a diminuição no número de rebentos.

O comodismo existe, mas não é assim tanto e é contrariado pelo apelo natural que leva ao profundo desejo e suprema felicidade de se se pai ou mãe. A coisa complica-se, é quando é colocada a opção sem retorno de se mandar vir a cegonha nem que seja por uma vez só, para nem ir à hipótese de se fazer andar o bicho com o berço no bico para lá e para cá.

Objetivamente, os nossos potenciais e contemporâneos progenitores estão ou pelo menos sentem-se, metidos na alhada. Numa verdadeira camisa de sete varas. Sentem-se acorrentados à barra da cama e com reduzidas possibilidades para o lançar de dados que é a vida. Temem, pouco sonham, e pouco ousam, porque a lucidez a tal os obriga.

A estrada surge sinuosa e com a insegurança ao fazer de cada curva. Por isso se retraem e não povoam. Pela primeira vez em milénios, o nosso mundo anda às arrecuas e está ao contrário. Está roto e chove nele como na rua. A tempestade perfeita que é o desequilibro demográfico pode vir a levar-nos o telhado.

Nascem poucos bebés. Pois nascem. Mas ainda vamos lá. Basta que nos façam sentir que há locais onde já é amanhã e que o mundo pula e avança como uma bola colorida nas mãos de uma criança.


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