Manuel Igreja

Manuel Igreja

Deplorável

No nosso quotidiano pessoal e coletivo, deparamo-nos a todo o momento com muitas coisas dignas de aplauso e de orgulho, mas também sendo a natureza humana o que é, existem igualmente ainda que felizmente em menor número, coisas indignas e vergonhosas se não, para quem lhes dá forma e conteúdo, pelo menos para quem com elas se depara. São as coisas e as atitudes ditas deploráveis.

Por exemplo, ainda recentemente o nosso atual primeiro-ministro, acerca das peripécias de ópera bufa, no ministério das Infraestruturas, aludindo-lhes utilizou o termo deplorável, para classificar as cenas que diariamente se desenrolam e comentam como se não existissem outros problemas e bem mais sérios para se trazerem a lume e que fiquem no para além da espuma dos dias.

Obviamente que como é seu timbre, não tirou nem ilações nem consequências. Assobiou para o lado e que siga a marcha que se faz tarde. No entanto, os atores e os comentadores continuam em palco. Nem sequer o cenário muda neste palco da nossa vida onde se desenrola um teatro próprio de loucos em que se tratam assuntos comezinhos e temas de lama caprina com toda a ligeireza e muito espalhafato, apesar de no fundo serem de contexto muito importante.

Mas se nos quedarmos um pouco na História de Portugal, logo concluiremos que se o retângulo que é o nosso território nacional fosse um tabuleiro em que se colocassem palavras diversas conforme a situação, ele seria uma floresta feita com a palavra deplorável de tanto ela ser usada para classificar situações e ações, atitudes e gestos, faltas de consideração e de visão de longo prazo.

Poderíamos começar no meio com o uso deplorável que foi dado aos recursos obtidos com os Descobrimentos quando Portugal foi dono de metade do mundo e deixou que outros com maior tino comercial se aviassem com o valor acrescento das mercadorias, porque os nossos antepassados eram mais para se pavonearem nas ruas da capital do reino.

Depois, quando ouro do Brasil enchia os baús das embarcações que cruzavam os nossos mares servindo para pouco mais do que para os luxos e para as vaidades da corte, igualmente foi deplorável a maneira como se desbarataram riquezas sem que ficasse coisa que se veja a não ser um convento erguido por via de uma promessa de encher-se a barriga de rainha com o herdeiro de que se precisava.

Avançando que nem o papel nem a paciência de ler dão para muito, digo eu, também deplorável foi o tempo e a forma como se utilizaram as ajudas da União Europeia que visavam o cimentar social e económico do país, mas que valeram de pouco e ficaram aquém, porque de novo a vaidade e a facilidade fizeram com que torrassem milhões em carros de alta gama e em investimentos de pacotilha condenados ao fracasso.

Chegando aos dias que correm e que são regados de novo com milhões e mais milhões de euros para se alavancar o país rumo ao futuro, cego seja eu se não tiver para mim e o não disser que daqui a uns anos, não muitos, outra vez a palavra deplorável poderá ser escrita e falada para classificação desempoeirada deste nosso presente que amanhã já será passado pois o futuro nasce a cada instante sem que seja o que sempre foi. Está muito mais incerto e instável e ninguém sabe o que vai ser.

Voltando ao governo, que é o em funções, mas poderia ser outro porque seria igual por falta de envergadura dos titulares grosso modo catapultados sem percurso que se veja até ao nível que é básico a partir do qual são incompetentes, deplorável é o que dizem e que fazem sem noção mínima dos valores e dos ideais, e sem ideia da linha entre o certo e o errado.

Deplorável igualmente a ainda, é vermos um governo de maioria absoluta dizer-se e sentir-se com margem para medidas próprias e diárias de campanha eleitoral porque a folga financeira circunstancial, mas não estrutural o permite e o abstraído povo o admite, mais parecendo que a missão suprema de governação é ser-se eleito para nova dança de cadeiras nos salões do poder.

É deplorável. Tudo isto e muito mais.



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