Manuel Igreja

Manuel Igreja

Carta para S. Pedro

São Pedro, meu querido santo, ainda que seja redundância, espero que esta minha carta te vá encontrar muito bem, pois nós por cá vamos indo à forma que Deus quer como se costuma dizer e como está bem de se saber.

Digo isto, pois parto do princípio de que estando tu sentado à direita Dele e logo aí nesse sítio, só podes estar às mil maravilhas, e também porque por aqui, em grande parte tudo decorre como Vocês mandam.

Por acaso, confesso que por vezes se me ocorrem algumas dúvidas acerca da excelência do paraíso, porque ao que consta as pessoas mais divertidas e mais optimistas vão dar ao lado de lá, onde dizem está sempre tudo a arder e ao mafarrico só lhe dá para causar desconforto, mas pronto, um dia se há-de ver.

Mas meu santo, escrevo-te por causa do clima. Cá por baixo acreditamos que é de tua incumbência a forma como a meteorologia se processa e convenhamos, as coisas não estão a ir muito certas como andavam antigamente quando havia cada condição em sua época e em seu sítio.

Tenho para mim que adormeceste uns segundos e nem te dás conta. Repara que um segundo que seja no tempo cósmico que será o daí, representa para mais de um ano por aqui pois nem os nossos relógios dão para tanto, e nem a distância entre o nascer e o morrer é se quer de se comparar. Entre um e o outro ponto, está a nossa vida.

O certo e o que resulta, é que nós já nem nos entendemos com as condições em cada dia. Chove a cântaros e num repente quando supostamente deve estar o sol a raiar, está um calor que se não pode onde quando devia estar um frio de rachar, cai granizo que dá cabo das novidades como se fosse castigo divino, e a agricultura anda toda desconchavada.

As coitadas das plantas e das árvores caso tivessem pensar até davam em doidas. Na Primavera nem sabem se devem vestir as folhas, no Verão não sabem se é de dar amadurecimento os frutos, no Outono não sabem se devem despir as roupagens, e no Inverno de tão exauridas, nem sabem do ânimo para aguentar.
Por isso tomei a liberdade de te escrever. Acontece que tenho um especial carinho por ti. Primeiro porque sei que entre os doze companheiros que tivesse em vida, tu eras o mais descontraído e bonacheirão. Posso estar enganado, mas imagino-te assim. Depois, porque és o padroeiro da minha aldeia e só isso já chega para este meu estremecer perante ti.

Tu bem sabes. Temos lá uma imagem tua que é um mimo. Gosto de te ver com a carinha toda rosadinha e serena, de chave na mão, com ar de quem está ali para o que for preciso. Na procissão, por mais que enfeitem os outros andores, o teu é que é. Quase nem precisa de todos aqueles enfeites do costume. Brilhas só por ti. Eu que nem sou assim lá muito dessas coisas, sinto-te uma força. Juro.

Por falar na chave que é a do portão de entrada disso aí. Olha, chegou-te à porta aqui há dias um senhor que é o meu pai. Não sei se já lhe permitiste a entrada, mas deixa-o passar sem hesitar. Ele merece e não te vai causar problemas. Já o deves conhecer. Falava muito de ti e também te tinha em muita boa conta.

Foi só um aparte. O que me motiva mesmo no escrito é o pedir-te para olhares pela meteorologia, pois nada tarda damos em doidos por nem sabermos como sair para a rua, e porque os prejuízos estão a ser para cima dum dinheirão.
Assim me despeço. Sou sem quem sabes.


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