Manuel Igreja

Manuel Igreja

Atrás dos tempos vêm tempos

Ao longo dos tempos, sempre se foi ouvindo a conversa dos mais velhos a agoirar e anunciar os dias futuros como de inquietações e desnortes, ao ponto de se anunciar o fim de tudo por falta de conserto do mundo desabrido e pouco contido.

Quem não ouviu alusões ao fim do mundo em cuecas e com alpercatas velhas, perante as novidades sempre rejeitadas e com os novos hábitos olhados de soslaio e reputados como inconvenientes e da mais refinada pouca vergonha? A vida contundo foi-se encarregando de mostrar que o engano era redondo, em resultado das melhorias que de um modo geral se iam verificando em cada renovar de geração.

O presente ia sendo melhor que o passado, com o futuro a encarregar-se de concretizar a esperança que não morria apesar de tudo. Eis que se não quando é chegada a época da inteligência refinada e afinada com as tecnologias a mandarem e a desmandarem, mas, ainda que por isso mesmo todos os amanhãs devessem cantar, no horizonte surgem contornos indiciadores de alvoreceres escuros e escusos.

Pela primeira vez mais se adivinham tormentas do que calmarias nos oceanos revoltos e soltos. Incompreensivelmente as desigualdades ganham vinco e cariz crescentemente insuportável.

Os temores arredam os amores, o egoísmo cerceia o altruísmo, e a maldade mata a bondade. Não enxergamos porque não sentimos, não ligamos porque não nos importamos, mas com a liberdade que a democracia permite, vamos escolhendo, vamos elegendo não lendo, vamo-nos enterrando. Veremos é até quando.

Alegremente seguimos para o pântano levados pela mão por gabirus ensandecidos que assumem o papel de ungidos de Deus porque nada mais existe para lá Dele em termos de poder. Bandoleiros e sendeiros juram ter visto a luz da redenção, e as multidões inebriadas e toldadas pela tacanhez aplaudem e tecem loas.

Não havendo tempo para dar tempo ao tempo, nem para se ter tempo para se pensar, emitem, mas não transmitem, lançando atoardas que num ápice ficam coladas, a preceito espalham o preconceito, e a eito semeiam o ódio pelo que é diferente e essencialmente por quem é outra gente.

Ainda não me tenho como velho, mas não sei. Do que passa pelos meus filtros, resulta a noção de uma realidade imediata e futuramente próxima que me não agrada. Mas será da idade. A minha sorte é que esta ensina-me a esperar e a não me desinquietar.

Não me sento, mas vou esperar com alento. Pode ser que sim. Quem me dera que um dia alguém diga destes tempos o mesmo que noutros tempos se dizia dos tempos idos e já vividos. Se calhar sucede em cada virar de época.

Vamos aguardar, pois, como se costuma dizer: atrás dos tempos vêm tempos e outros tempo hão-de vir.


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