Carlos Ferreira

Carlos Ferreira

As "Cabanhuolas" Mirandesas: formas ancestrais de previsão do tempo

AS "CABANHUOLAS MIRANDESAS": formas ancestrais de previsão do tempo

 

Porque condicionavam a sua vivência, desde sempre o homem se interessou pelos fenómenos meteorológicos. Com o tempo e o acumular de observações e saberes, o homem desde cedo começou tentames de previsão da meteorologia. Nas sociedades camponesas eram utilizadas as mais variadas observações, que depois se traduziam em aplicações diretas na previsão do tempo.

Essas previsões valiam para o ano inteiro e iam sendo afinadas com outras observações à medida que o ano avançava. Na Terra de Miranda, através de várias festas e comemorações, os ritos solsticiais são ainda festejados. No solstício de Inverno, as oferendas e comemorações ao astro rei começam no dia 13 de dezembro com a festa de Santa Luzia e vão até ao dia 6 de janeiro, dia de Reis.

Os dias entre estas duas datas, eram considerados dias sagrados e todas as ocorrências a eles ligadas, sacralizadas. Todas as manifestações ocorridas durante estes dias, sobretudo as meteorológicas, eram consideradas como sinais que deviam valer para o ano inteiro, onde cada dia tinha valor de um mês. No período entre o dia 13/12 e o dia 06/01, se retirarmos o dia central que é o dia de Natal (25/12), obtemos duas séries de 12 dias.

Em função do tipo de tempo que ocorresse ao longo dessas duas séries de 12 dias, faziam-se as previsões meteorológicas para o ano inteiro. Na Terra de Miranda, chama-se a estas observações e previsões “Las Cabanhuolas” ou “Pautas”. Nem toda a gente sabia manusear este tipo de observações e previsões. Eram sobretudo os pastores que mais se davam a este tipo de práticas. A comunidade chamava “Astros” aos indivíduos que melhor sabiam observar e fazer a previsão dos estados do tempo.

Depois do dia 6 Janeiro, eram eles que sabiam dizer se o ano viria seco ou molhado, se era necessário, por isso, adiantar ou atrasar as sementeiras e as colheitas. À primeira série de 12 dias de observação dos estados do tempo, do dia 13/12 até ao dia 24/12 chama-se “Purmeiras Cabanhuolas”. Destas “Purmeiras Cabanhuolas” diz-se que: “zándan al palantre”, pois ao estado do tempo observado no dia 13/12 vai corresponder a previsão do estado do tempo que fará durante o mês de janeiro, ao do dia 14/12 o do mês de Fevereiro, ao do dia 15/12 o do mês de Março e assim sucessivamente, pertencendo o estado do tempo observado no dia 24/12 à previsão para o mês de Dezembro.

Quando chove, diz-se que o mês correspondente a esse dia vai ser um mês húmido, se fizer bom tempo diz-se que será um mês seco. No dia de Natal (25/12) não há “Cabanhuolas”, ficam paradas, descansam, portanto, o estado do tempo observado nesse dia não conta para efeitos de previsão.

À segunda série de 12 dias de observação dos estados do tempo, do dia 26/12 até ao dia 6/01 chama-se “Sigundas Cabanhuolas”. Destas Segundas “Cabanhuolas” diz-se que “zándan al para trás”, pois ao estado do tempo observado no dia 26/12 vai corresponder a previsão do estado do tempo que fará durante o mês de dezembro, ao do dia 27/12 o do mês de novembro, ao do dia 28/12 o do mês de outubro e assim sucessivamente, pertencendo o estado do tempo observado no dia 6/01 à previsão para o mês de janeiro.

Como refere a figura, à previsão do estado do tempo que vai fazer em cada mês vão corresponder dois dias de observação. Se para um determinado mês (por exemplo janeiro), os estados do tempo observados no dia da “Purmeira Cabanhuola” (dia 13/12) forem iguais ao observado na Segunda “Cabanuola” (dia 06/01), reforça a qualidade da previsão, caso contrário, tira-lhe valor. Há quem atribua maior valor às “Purmeiras Cabanhuolas” e ao contrário quem atribua maior valor às segundas. Há ainda quem faça apenas a observação de doze “Cabanhuolas” em vez de 24 (seis antes e seis depois do Natal), quem só registe as doze antes do Natal e quem registe apenas as doze depois do Natal. Existe, portanto, um conjunto de variantes na observação e aplicação das “Cabanhuolas”, mas a que deixo na figura parece-me englobar todos as outras.

Embora o fundamento das previsões meteorológicas para o ano inteiro residisse nas “Cabanhuolas”, com outras observações ao longo do ano vai-se afinando a qualidade das previsões. Referimos para o efeito a importância de vários provérbios: “Quando chuobe l tiempo amerosa”, “tantas nubrinas an Márcio, cumo giladas an Maio”, “Auga de San Juan, tira bino i nun dá pan”, “Cielo scabado, als trés dies molhado”, “Gilada subre lhodo, auga subre todo”, “Quando l lhume faç frauga, nun falta auga”, “Natal an praça, Páscoa an casa”, “Febreiro caliente, trai l diabro ne l bientre” …

Primeiro os almanaques “Seringador” e “Borda d’Água” e depois a rádio e a televisão, vieram alterar e acabar com esta forma ancestral de previsão do tempo.

 Carlos Ferreira (2003), in Geografia e Toponímia: Sendim na Terra de Miranda. Lisboa: Âncora editora (2013) Págs. 158-160.

 


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