Seleção do material genético, rega deficitária e adaptações na poda são algumas recomendações de um grupo internacional, liderado pela UTAD, que estudou o impacto das alterações climáticas na vinha, mas consumidores também devem adaptar-se.

“As projeções climáticas, mesmo para Portugal, sendo um país pequeno, não são homogéneas. Vamos ter, além do aquecimento, uma subida generalizada das temperaturas que será mais acentuada no verão, mas também mais nas regiões interiores do país, e vamos ter também uma diminuição da precipitação”, explicou à Lusa João Santos.

O climatologista e investigador da Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro (UTAD) coordena o projeto internacional Clima4Vitis, liderado pela universidade transmontana e que conta o apoio do Instituto para o Clima de Potsdam, na Alemanha, a Universita degli studi di Firenze (UNIFI), em Itália, o Instituto de Ciência e Tecnologia de Luxemburgo (LIST, na sigla inglesa) e da Sociedade Portuguesa de Inovação.

A intenção é “reforçar os conhecimentos que existem neste momento na área da modelação da videira e da modelação e simulação dos impactos das alterações climáticas na viticultura europeia”, esclareceu.

Ao longo de três anos, esta iniciativa, que contou com financiamento comunitário através do programa H2020, desenvolveu “um conjunto muito diversificado de atividades, de transferência de conhecimento e capacitação para agentes do setor em vários países europeus, como Itália, Alemanha, Luxemburgo e França”, além de Portugal.

Os contornos traçados pelo especialista parecem ser confirmados pela conjuntura atual de seca e um inverno com temperaturas mais altas do que o habitual.

A frequência de eventos como este “vai aumentar” e “podem acontecer outros eventos extremos, como por exemplo ondas de calor, ou eventos de precipitação muito intensa, que vão potenciar os efeitos negativos da seca”.

“No caso específico da vinha, é evidente que as zonas mais no interior do país estarão mais expostas às alterações climáticas, porque terão menor precipitação e temperaturas mais elevadas. Haverá uma tendência de alteração no sentido do aquecimento e da secura que é mais acentuada do que no litoral”, afiança João Santos.

Ainda assim, não sabe “onde é que o problema vai ser mais grave, em termos da gestão da água”, já que, “no litoral, sendo uma região com muita densidade populacional, com muitos centros urbanos, a pressão sobre os recursos hídricos vai ser muito grande”.

“No interior temos, é certo, pouca água, mas também há pouca utilização de água para consumo humano”, explicou.

A vinha “é um setor tipicamente mediterrânico, como o olival, o amendoal, que são bastante resistentes ao calor e à secura”, mas “vai exigir medidas de adaptação do setor”.

Entre elas estão a “seleção de material genético”, ou seja, “castas que sejam mais adequadas ao clima que vamos ter”.

Essa é uma “área que exige ainda bastante investigação, até porque temos muitas castas autóctones, e muitas delas não estão devidamente estudadas”, adianta o investigador, referindo que “há viticultura em várias partes do mundo, como na Argentina, na Austrália ou até na Califórnia, onde existe uma vinha rentável em climas muito mais secos e muito mais quentes do que os nossos”.

A adoção de “porta-enxertos adequados também vai promover a adaptação”, assim como a “seleção de microclima”, que “pode ser feita quando se instala vinha nova, em sítios com cotas mais altas e mais frescos, ou a própria exposição da vinha”.

“Estas são práticas a médio-longo prazo”. A curto prazo, há adaptações nas “práticas culturais normais, desde a poda, que pode ser feita de forma a adequar mais a videira às condições normais”, já que uma “videira com muitas folhas vai perder muita água por evapotranspiração e isso vai torná-la mais vulnerável, mas também não podemos tirar as folhas todas à volta dos cachos, porque aí estamos a expor ao escaldão”.

Todas estas estratégias devem “ser sempre ‘had oc’, não podem ser feitas de forma generalizada”.

“Algumas medidas, como a alteração da poda, podem ser muito eficientes e já permitirem fazer face às alterações climáticas numa zona costeira, mas podem ser altamente insuficientes no interior do país”, exemplifica.

Apesar de se tratar, “idealmente, de uma cultura de sequeiro, em que não se devia recorrer à rega, em algumas situações deve ser aceitável a rega deficitária para evitar a morte das plantas”.

“Se não vier chuva e as temperaturas começarem a subir muito, vai colocar em risco a sobrevivência das plantas e comprometer a sustentabilidade da própria vinha e da produção. Nesses casos excecionais, evidentemente que tem de se recorrer à rega”, concretiza.

Os desafios são muitos, mas “Portugal, nesse aspeto, está melhor do que noutros países, porque não tem a tradição do vinho monocasta”, o que confere “uma plasticidade, uma adaptabilidade muito grande”.

Nesta luta, para mitigar os efeitos das alterações climáticas, ao consumidor cabe “dar sinais ao produtor do tipo de vinho que prefere”.

“A tendência parece ser consumir vinhos cada vez mais frescos, mais leves, e isso é uma tendência errada, do ponto de vista das alterações climáticas, porque prevemos que, com climas mais quentes e mais secos, a tendência é a de criar vinhos mais encorpados, mais fortes, com maior teor alcoólico, com menor acidez”, prossegue.

“As pessoas também têm de adaptar os seus hábitos de consumo ao clima do futuro”, remata.



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