INTRO

 

Natural de Sabrosa, doutor em Cultura Portuguesa e mestre em Ciências da Comunicação, a Alexandre Parafita é-lhe escasso o tempo para ser tanta coisa, como professor, escritor, etnógrafo e jornalista, entre várias outras.

 

ENTREVISTA

 

Diário de Trás-os-Montes (DTM): Docente, jornalista, investigador, escritor, para além de integrar a equipa de investigação incumbida de realizar o Arquivo e Catálogo do Corpus Lendário Português e coordenar o Plano de Inventariação do Património Cultural Imaterial do Douro, no âmbito do Museu do Douro. Qual é o segredo para conseguir fazer tanta coisa simultaneamente?

Alexandre Parafita (AP): Apresentadas assim parecem, de facto, muitas coisas. Mas não. Tirando a atividade docente, todas, ou quase, têm a ver umas com as outras. Por exemplo, enquanto investigador encontro a matéria-prima para muitos dos meus livros. E como jornalista também. Ainda hoje, apesar de não estar no ativo, encontro na minha longa experiência profissional muitas histórias e ideias.

 

DTM: Muitos conhecem-no, sobretudo, como escritor e docente, mas teve um percurso de quase 20 anos como jornalista, profissão que adotou desde muito jovem e onde teve experiência em diferentes hierarquias, desde repórter, a redator, a chefe de redação e diretor. Descreva-nos esse período, por onde passou e o que é que o levou ao jornalismo.

AP: Na verdade, a minha grande escola de vida foi o jornalismo. Ainda hoje conservo, perfeitamente validada, a carteira profissional de jornalista. Só que agora, nessa condição, escrevo como e quando quero. Ninguém me dá ordens. Os anos intensos de atividade profissional, que passei na antiga Agência ANOP e, depois, no antigo Comércio do Porto, foram muito duros, mas, também, muito enriquecedores. E muito arriscados. Lembro-me que, por tudo e por nada, lá vinha uma ameaça com o tribunal. A censura oficial acabara no 25 de abril, mas a censura que nos caía através das pressões e ameaças dos poderes com que lidávamos era, por vezes, terrível.

 

DTM: E como é que vê o jornalismo nos dias de hoje? É uma profissão com futuro? O que mudou em relação há 20 anos?

AP: É uma profissão com futuro, embora exercida em moldes diferentes. Outrora, um jornalista só tinha como saída os jornais a as rádios. A televisão era uma miragem. Hoje, por força das novas tecnologias e do jornalismo digital, tem inúmeros meios e possibilidades. Hoje não há uma autarquia que não tenha um boletim informativo ou uma newsletter e um gabinete de imprensa. E em muitas outras organizações, privadas ou públicas, passa-se o mesmo. Por sua vez, os jornais, rádios e televisões estão, agora, a ganhar cada vez mais força através das suas edições online. Neste quadro, o perfil do jornalista vai ter de mudar. Tem de ter múltiplas qualificações. Não só saber escrever, mas também paginar, fotografar, editar, promover.

 

DTM: Quando é que a escrita, note-se, como autor de obras publicadas, entrou na sua vida e como surgiu essa necessidade de escrever?

AP: Tudo começou no Magistério Primário de Vila Real, quando andava a tirar o meu curso de professor primário. Como tinha jeito para escrever, o diretor da escola, que era o inspetor Óscar Vieira, nomeou-me diretor do jornal do Magistério, que então se chamava “Contacto”. Escrevia lá bué de notícias, crónicas e poemas. E assim nasceu o primeiro livro de poesia, chamado “Ah Trás-os-Montes!”. O escritor António Cabral fez o prefácio a falar bem dele, o poeta Alberto Miranda fez depois uma apresentação solene no Rotary Clube e o ensaísta, que depois foi Ministro da Educação, José Augusto Seabra escreveu também sobre o livro, elogiando-o. E o mesmo fez o escritor e jornalista Barroso da Fonte nos jornais. Tudo isto me motivou, sendo eu então pouco mais do que um adolescente. E tudo começou assim. Já vão mais de 35 anos.

 

DTM: No total, quantas obras suas foram publicadas?

AP: Ainda não as contei bem, pois algumas nem sei se são mesmo livros a sério. E se o são, o número vai já nos 55.

 

DTM: É, portanto, autor de cinco dezenas e meia de livros, em domínios multidisciplinares, desde os estudos do património cultural, antropologia e etnografia, à ficção, poesia e literatura infanto-juvenil. Entre todos, qual é o seu género literário de eleição?

AP: Devo reconhecer que a minha preferência vai para a literatura para a infância. Aliás, tenho tido, cada vez mais, uma perceção clara sobre a importância da leitura para o crescimento das crianças. E escrever para elas é coisa muito séria. Para o crescimento de uma criança a leitura é tão rica e necessária como o leite materno para um bebé. E se o adulto lê um livro porque o seu autor está na moda, seja porque recebeu um prémio, seja porque teve boa divulgação nos media, com a criança nada funciona assim. A criança não faz fretes a ninguém. Tão-pouco os faz a um escritor por mais consagrado ou simpático que ele seja. Lê um livro se obtém prazer nessa aventura. E se tal experiência for uma seca, poderá rejeitar os livros em definitivo, pois associará sempre novas propostas de leitura a essa experiência negativa. Por isso, com um livro pode ganhar-se ou perder-se um leitor. E perdido um leitor na infância, uma infância vivida sem esse alimento imprescindível, pode a criança resultar num adulto razoavelmente musculado ou com uma boa aparência exterior, mas por dentro estará vazio e oco. É com esta convicção que continuo a escrever para crianças.

 

“Para o crescimento de uma criança a leitura é tão rica e necessária como o leite materno para um bebé.”

 

DTM: O que o levou na direção da literatura infanto-juvenil?

AP: O que me levou foi, sobretudo, a necessidade que tive de cumprir a missão de professor primário que abandonei ao seguir o jornalismo. Havia escolhido ser professor primário porque gostava, como gosto, de comunicar com as crianças, de ensiná-las, transmitir-lhes valiosas mensagens educativas. Como não o consegui como professor, procuro fazê-lo como escritor.

 

DTM: E no que se inspira ao escrever para as crianças?

AP: Sobretudo, em dois domínios. Um deles tem a ver com a área em que sou investigador: o património cultural imaterial. Vou aí buscar muitas histórias, sobretudo contos e lendas, que depois vão parar aos meus livros, sempre que as mensagens se adequam à necessidade formativa das crianças. O outro domínio tem a ver com as sugestões dos próprios programas escolares. Fui durante anos professor de professores quando frequentavam os complementos de formação. Hoje leciono na UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) a jovens universitários que vão ser professores. Isso leva-me a conhecer as estratégias educativas e as temáticas que se vão impondo no sistema educativo, ao nível da História de Portugal, direitos humanos, direitos dos animais, consciencialização ecológica e ambiental, as guerras no mundo, a fome e a pobreza. E daí nascem, depois, as histórias e os livros: “Histórias a rimar para ler e brincar”, “A brincar, a brincar, vamos lá rimar”, “Uma andorinha no alpendre”, “Vou morar no arco-íris”, “Chovia ouro no bosque”, “Contos de boas contas”, “Teodósio, o menino guerreiro”, “Memórias de um cavalinho de pau”, “A mala vazia”… e por aí adiante.

 

DTM: A sua vasta obra integra manuais escolares de vários níveis de ensino e é bibliografia obrigatória em cursos universitários. O que é que sentiu quando viu os seus livros integrarem o Plano Nacional de Leitura (PNL)?

AP: É muito gratificante e honroso ter uma quantidade vasta, a rondar as duas dezenas de títulos, no PNL. Esses livros são analisados por especialistas, sobretudo pedagogos, que os reconhecem como valiosos para as aprendizagens das crianças, de acordo com as diferentes idades e os diferentes projetos educativos das escolas. Essa terá sido também a razão por que várias editoras me convidam para integrar as suas coleções.

 

DTM: Enquanto coordenador do Plano de Inventariação do Património Cultural Imaterial do Douro, no âmbito do Museu do Douro, qual é a importância geográfica do rio, não só como património imaterial, mas, essencialmente, para as suas gentes?

AP: O rio Douro une as duas margens. Mas une-as sobretudo pela identidade cultural que caracteriza toda região duriense. O trabalho que venho realizando na inventariação do património imaterial demonstra isso mesmo. Este espaço geográfico é riquíssimo. Hoje a paisagem do Douro está classificada como Património Mundial da UNESCO, mas há uma paisagem humana, cheia de memórias, marcas de religiosidade, saberes acumulados, literatura oral, que a sociedade moderna faz tudo para ignorar. Por isso eu continuo a lutar contra a corrente ao tentar inventariar a cultura imaterial, seja do Douro, seja de outras zonas do país.

 

“…uma infância vivida sem esse alimento imprescindível (a leitura), pode a criança resultar num adulto razoavelmente musculado ou com uma boa aparência exterior, mas por dentro estará vazio e oco.”

 

DTM: Fale-nos de alguns dos seus projetos para o futuro? O que é que lhe falta, ainda, concretizar?

AP: No futuro, enquanto puder, vou continuar a desenvolver os meus trabalhos de investigação, percorrendo os lugares recônditos, buscando alguns dos tesouros que estão por descobrir. E, sob essa inspiração, ou sob qualquer outra, continuar a escrever os meus livros.

 

DTM: Está, neste momento, a escrever um novo livro? E, se sim, do que se trata e para quando a sua publicação?

AP: Não gosto muito de falar de livros que estou a escrever. Mas estou. O que lhe posso dizer é que tenho em mãos um projeto de investigação, no domínio do património imaterial, que envolve a UTAD e a Direção Regional da Cultura do Norte, com referência aos concelhos de Vinhais e Bragança e que espero concluir até ao final deste ano.

 

DTM: O que é que o Alexandre gosta de fazer quando tem algum tempo livre? Quais são os seus hobbies?

AP: Quando tenho tempo livre, o que mais gosto de fazer é dormir. Infelizmente, até para isso o tempo me escasseia. Dizer-lhe que ocupo o tempo livre a ler um livro, como é hábito dizer-se, para mim é um absurdo. Se estou a ler um livro, estou ocupado. Tiro notas, vou provavelmente escrever sobre ele. Portanto, estou a trabalhar. Fora isso, gosto de viajar, conhecer praças antigas, aldeias medievais, castelos, ruinas… mas, que diabo! Também aí estou sempre a tirar notas. Portanto, lá volto ao mesmo. Ao trabalho.

 



SHARE:

"Preferes o pai ou a mãe?"

“Concentração em Mirandela é das melhores de Portugal”