Ângela Bruce

Ângela Bruce

Os Milhos

Com origem no México e trazido para a Europa durante o sec. XVI, o milho rapidamente se espalhou por todo o mundo. De planta desconhecida passou a ser uma das mais cultivadas e consumidas no mundo inteiro.

Esta gramínea, de nome científico Zea mays - ‘sustento para a vida’ - compôs por cá e por toda a Europa, o cardápio da população mais pobre e humilde.  O milho, para além de ser um alimento extremamente nutritivo, é de fácil cultivo, de maneira que assumiu grande relevância em algumas zonas do nosso país.

Mas o seu papel não se resumiu somente à nutrição das numerosas famílias destas terras. O cultivo do milho trazia, por acréscimo à dura labuta, momentos de convívio e grande animação às nossas gentes! Mormente, à ganapada casadoira que, na desfolhada, secretamente desejaria umas boas caroças de milho rei; pois o detentor de tamanho troféu poderia abraçar todos presentes na empreitada! Tenho para mim que a parte dos abraços, não cordiais, teriam calor suficiente para cozer um bô pote de milhos!!

Tenho ainda, presentes, algumas memórias do entusiasmo com que todos viviam o evento da desfolhada. Recordo-me, que depois de colhidas, as caroças do milho eram desfolhadas e estendidas ao sol durante alguns dias. As folhas, guardavam-se e mais tarde serviriam de enchimento a xaragões ou cabeceiras. Depois, numa bela noite, acompanhados da vizinhança, de muita cantoria, bons petiscos e de uns bôs garrafões de vinho, as caroças, já bem secas, seriam debagadas. Os grãos eram guardados em arcas de madeira para depois se moerem no moinho do avô.

Em casa da avó havia um alçapão que ligava a cozinha à adega! Mesmo por baixo do alçapão encontravam-se as arcas do milho. Como podem imaginar, o alçapão foi motivo de grande diversão entre as diferentes gerações de primos. Saltar da cozinha para as arcas cheias de milho, era uma das brincadeiras favoritas de todos! A algazarra acabava sempre com ralhetes e cara feia da avó, ameaçando contar tamanha profanação ao precioso cereal! Claro está, que prometíamos em vão não repetir a habilidade, mas era promessa de pouca dura!

Razão tinha a avó nos seus ralhetes, pois, até chegar às arcas, a labutação do milho era árdua e trabalhosa. Sendo por isso pecado desperdiçar um grão que fosse! Grande parte desse milho, tão bem guardado, seria transformado nos famosos milhos.

Depois de triturados, os grãos, eram acribados, retiravam-se as cascas e obtinha-se então uma farinha de textura granulada e grossa-os milhos.  Depois, era só carregar as alforjas da burra com aquela farinha de milho grossa e trazê-la para casa onde seria confecionada durante o ano inteiro.

  A receita de milhos da avó era simples e tanto os fazia doces como salgados.  Embora os milhos doces se usassem mais pela altura do Natal, em casa da avó eram frequentes as papas de milhos doces serem servidas como sobremesa ou simplesmente quando apetecia uma lambonice a meio da tarde!

 Mas a imagem que melhor guardei dos milhos foi a receita de milhos de espigos, acompanhados com ovos rijados na sertã!

A avó impeçava por botar azeite e cebola picada ao pote, deixava rijar bem a cebola e   acrescentava-lhe uma ou duas colheres de tomatada.  A mim, cabia-me a tarefa de ir mexendo o estrugido para que se não esturrasse. Finalmente, juntava-se água e umas areias de sal.  Numa malga à parte, a avó lavava os milhos e botava-os ao pote, juntamente com uma mantcheia de espigos tenrinhos. Com o colheroto ia mexendo e, no birar d´um olho, estavam prontos a servir.  Ao lado, no lar, já a avó rijava na sertã de três patas, uma boa frigelada de ovos, cebola, batata e muita salsa picada que acompanhariam os milhos. As sobras dos milhos botavam-se num prato de caco e, depois de frios, cortavam-se às fatias, regavam-se com um fio de azeite e reaqueciam-se na sertã, na refeição seguinte.

Devo confessar-vos que em pequena era muito biqueira e dos milhos não era grande fã, já dos ovos rijados na sertã o caso era bem diferente. De qualquer modo, os milhos cá me ficaram na memória e a verdade é que num passado, ainda não muito distante, farta era a casa que tivesse uns bons rasões de milhos!

A biqueirice da infância foi passando e tornei-me grande apreciadora dos milhos, especialmente dos doces.

Depois de algumas tentativas na cozinha, partilho, a minha receita de milhos doces para quando apetecer uma lambonice!

 

Ingredientes

2 malgas de leite

½ malga de milhos

3 c sopa de açúcar

1c café de extrato de baunilha

1 pacote de natas batidas

1 mantcheia de frutos vermelhos frescos/congelados

1 mantcheia de amêndoa laminada/palitada torrada

 

Procedimento

1-Levar ao fogão, em lume brando, uma panela com o leite, açúcar e extrato de baunilha.

2- De seguida, juntar os milhos e mexer. Quando os milhos começarem a engrossar, juntar as natas batidas, mexendo sempre até se obter a consistência desejada.

3-Verter os milhos para tacinhas ou colocar numa travessa. Deixar arrefecer um pouco e colocar a amêndoa torrada e os frutos vermelhos. Servir os milhos ainda quentes ou frios.

Notas:

  1. É importante sempre que preparamos uma receita termos tudo o que necessitamos à mão e previamente medido.
  2. Nesta receita, começo por bater as natas e torrar as amêndoas.
  3. Os milhos que uso para esta receita encontram-se à venda na maior parte dos supermercados (sêmola de milho e não farinha de milho).
  4.  Deixo cozinhar os milhos entre 7 a 10 m, sempre mexendo. Ao invés da colher de pau prefiro usar as varas.
  5. Se achar que os milhos estão muito espessos, junto um pouco mais de leite e retifico o açúcar.
  6. Se não for fã de frutos vermelhos pode polvilhar os milhos apenas com canela.


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