Barroso da Fonte

Barroso da Fonte

Os funerais em Barroso há 150 anos e a geringonça Europeia

 A pandemia veio demonstrar a todos nós que não passamos de esqueletos com vida efémera. Trago a este jornal uma realidade que, em 20 de Agosto de 1870 se passava nas terras de Barroso.

No Jornal do Porto do dia 20 de Agosto de 1870, foi publicado um «comunicado» sobre os «Funerais em Barroso». Foi uma explicação jornalística, escrita por um tal Felisberto, não sabendo se era jornalista, se era algum viúvo a quem aconteceu essa desgraça, de ficar sem mulher e sem o pouco que na casa havia.

Não devo publicar as quatro colunas dessa curiosa notícia, pouco abonatória para os Barrosões. Toda ela é eivada de termos, nada honrosos para os avoengos. Sou quase tentado a pensar que seja um padre

 Mas nós, Barrosões, estamos habituados a sofrer, a ver sofrer e, em nada, a ser ouvidos. E, se hoje, após 45 anos do advento da democracia, num país democrático, continuamos a ser esquecidos do poder político, é bom conhecer a escravidão por que passaram os nossos maiores.

Não reproduzo todo o artigo que o «velho Felisberto» publicou no Jornal do Porto, vai fazer 150 anos no próximo dia 20 de Agosto. O que se segue em itálico é texto dessas quatro colunas daquele matutino Portuense.

 «...Sei de antemão que hei-de desagradar a muita gente que não pode desprender-se

Quando falo em abuso nos funerais, não se entenda que nos referimos ao clero ou à maneira como se fazem os funerais na igreja. Pelo contrário, confessamos que o clero se apresenta nas funções com decência e regularidade; e se alguma excepção há esta confirma a regra geral...

Não deixarei de censurar o clero de Barroso pelos motivos que deixo expostos.

O que hoje censuro é o que me repugna e o que nos envergonha. E o que é contrário à pureza da nossa religião, aos bons costumes e à civilização do século dezanove: são essas comezainas em casa do defunto!

Tenham paciência os meus patrícios; creio que lhes virão as cores ao rosto, quando lerem estas linhas; mas creiam que também me acontece o mesmo quando escrevo.

Não sei, nem posso, nem quero pintar ao vivo os abusos que se praticam nas papazanas de que acima falei. São uns verdadeiros ágapes, dos primitivos séculos do cristianismo. Ágapes eram certos banquetes fúnebres feitos em casa do defunto para o qual eram convidados os parentes, amigos e os pobres para todos o comensais orarem por ele, depois de bem comido e bebidos.

 Como se adivinha esta cerimónia profana degenerou em excessos tais que a Igreja julgou conveniente proibi-la, como vergonhosos restos da superstição pagã. As determinações da Igreja e a civilização condenaram estas indecências. E hoje, em poucas partes do país se pratica o que era prática corrente em Terras de Barroso.

 A explicação deste cronista, cresce por cada nova faceta do tempo que costuma durar as 24 horas do funeral. Ao segundo dia aumenta o pessoal que vem de todo o lado. Se a família do morto tem pouco para gastar, terá menos gente a rezar pelo defunto. Mas qualquer família remediada ficava depenada.

À hora em que (re)escrevo esta «estória» de há 150 anos atrás, vejo e ouço, a crónica dos Estados da União Europeia, reunidos nesta cimeira dos 27. Dizem os repórteres que está a ser a Cimeira mais complicada de sempre. E o que dizem,uns e outros conjuga-se com uma verdade: Tal como sucedia, em Barroso, há 150 anos, com os comensais dos enterros, também nós, portuguesinhos  passámos da fome à fartura, com a entrada na União Europeia.

Alinhei nessa euforia nos primeiros tempos, não como técnico, mas como diretor do Paço dos Duques de Bragança, onde decorreram as primeiras jornadas preparatórias da nossa adesão (1985) entrada (1986) de Portugal no grupo doze. Recebi Jacques Delors, quando aqui decorreu o conselho de Ministros da União Europeia. (1992). Anos depois chegou a Moeda única. A partir dessa fase qualquer português que estivesse atento dava conta de que houve «marosca» com os fundos comunitários. Muito desses milhões chegavam a Lisboa e dali para cima raramente se lhes conhecia o rasto. Todos nós conhecemos como eram distribuídos esses «fundos». Basta rever casos & casos do programada RTP sexta as 9. A jornalista Sandra Felgueiras anualmente investiga dezenas desses casos bicudos. Uma boa parte deles ficam  suspensos até que prescrevam. 

É por essas e por outras que a última cimeira Europeia já deixou tudo em sobressalto. À hora em que ultimo esta sátira, os países ricos já desancam nos países pobres. Dos 28, já saiu o Reino Unido. Mas os 27 que ainda andam por lá andam, aos beijos, entre máscaras e cotoveladas, desta vez deixaram cair o verniz. E os cronistas que por lá andam, tão desorientados como nós por cá, vão deparar-se, dentro de pouco tempo, com o desmoronamento  da União Europeia.

Esta narrativa de Julho, lida daqui a 150 anos, deixará atónito qualquer leitor como eu estou, ao pretender falar dos «funerais em Barroso, em 20 de Agosto de 1870» e a terminar a mesma narrativa profetizando o desmoronamento dos 27 países da União Europeia. As causas são metafóricas mas chamam a atenção da fome e da vontade de comer. Em 1870 a fome era uma fatalidade humanitária. Em 2020 é a corrupção a comandar o bom senso.

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