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Conto de Natal : O Filho do Moleiro

Retrato de igreja
Manuel Igreja

Conto de Natal : O Filho do Moleiro

Conto de Natal :  O Filho do Moleiro

O homem, já idoso com os noventa anos logo ali ao dobrar da esquina da vida, gostava de desfiar conversa acerca dos tempos idos. Sabia que o mundo se transforma a todo o vapor sem se preocupar condignamente com o registo do que se vai esfumando. Por isso não perdia uma oportunidade com transeunte que lhe passasse junto ao poiso onde via escorrer os dias.

Com regular assiduidade, calhava a sorte a um citadino que não negando as origens e buscando a rocha que sente como a que lhe firma as raízes, ciranda pela aldeia em momentos de espairecer e de descanso das labutas do ganha-pão na cidade grande.

Estava-se perto do Natal, num tempo de frio seco. Ao longo do ano, havia sobrado em sol e em azul no céu o que minguava em água da chuva e em nuvens que a acartassem. O ribeiro ia um fieiro. O ano de lavoura tinha sido razoável, mas temia-se pelo que se ia seguir. Dizia ele que as tripas da terra onde circula a água estavam mais secas que as de um porco antes de se encher o fumeiro.

- Como este de agora, só um de há muitos anos. Era eu ainda rapaz sem direito a ganhar como um homem. Ainda não podia com um cesto da vindima cheio de uvas. O carrego era a prova dos nove. Era o tira teimas. Quando as pernas se não dobrassem ao carrego e a espinha aguentasse o peso das uvas, tinha-se direito a caldo e a condoito. – Aludiu o velho.   

- Mas pelo menos agora não há fome. Quanto à chuva, ela ainda há-de vir e as coisas repõem-se. Depois como o senhor bem sabe, a chuva e a morte nunca se pedem. – Retorquiu o passeante antes de se desenrolar a conversa que se segue.

- Sei sim, diz bem o meu amigo. Olhe está-se-me a desenrolar na memória   uma história de há já muitos anos. Havia aí uma mulher que era terrível. Não que fosse má de fígados, mas era muito avarenta. Era rica, tinha mais bens ao luar que qualquer outro ou outra na freguesia, mas esmifrava. Quase não comia e dava o menos possível aos outros mormente em termos de paga pelo trabalho.              

- Explorava, quer o senhor dizer.

- Como outros. Mas ela era pior. No entanto dava o exemplo. Era a primeira a erguer-se da cama ao cantar do galo. Ainda nem a ave tinha desencolhido o pescoço depois da gaitada tocada, e aí ia ela a caminho das vinhas, dos pomares ou das leiras. Quem fosse ganhar o dia para ela já sabia de antemão que não havia moina por sua conta.           

- Estou a ver. Pelo menos não se limitava a exigir e a viver à sombra dos que trabalhavam.

- Nem de longe nem de perto. Mas não tinha necessidade. Era avarenta e não dava nem uma migalha a um pobre. A mão de dar comeu-lha o reco, como se dizia antigamente.

- Mas no Natal sempre dava uma pequena ajuda aos pobres, ou não?

- Como lhe disse antes. Não conhecia tal gesto. Era remisga de corpo e de alma. Com certeza pensava que quando morresse levaria com ela teres e haveres. Mas mudou, e não foi preciso muita coisa.

- Está a deixar-me curioso.

- Naquele tempo, a ceia da consoada, pouco mais era do que comer-se um pedacito maior de bacalhau com batatas e couves. Mas até estas eram luxo para muita gente. Não faltava quem se caísse morto em pé tombaria para o quintal do vizinho por não ter nem um palmo de terra. Por isso, mesmo as couves podiam ser escassas ou faltas. Mas colocado o tronco no lume a arder sempre se consoava celebrando o nascimento do Menino Jesus que segundo os padres nasceu mais pobre que Jó. Que Deus Nosso Senhor quis dar o exemplo, dizem-nos na catequese. O problema é que este ensinamento dura à mais de dois mil anos, mas não vinga.

- Lá nisso tem razão. Mas é da natureza humana.

- Será e compreende-se. Mas a ganância e o egoísmo é que não têm perdão por mais hóstias que se metam na boca e por muitos ave-marias que se rezem. Nem que se mande celebrar uma trintena de missas se abrem os portões guardados pelo S. Pedro. A não ser que haja um qualquer momento em que se arrepia caminho e se faz o bem. Mas olhe que os gestos grandes não são para qualquer um. Qualquer cosia que não nos saia da alma antes de nos chegar à ponta dos dedos não vale de nada.

- Mas desviou-se da conversa acerca da tal senhora.

- Pois desviei. Mas já retomo. Nesse Natal, entrou-lhe na cozinha vá lá saber-se o que o foi. O que se sabe é que o que sucedeu foi de assombro. Por mais pobre que fosse a noite de consoada sempre era noite de consoada, e lá por casa dela, o comer era sempre melhorado. Farto até. Pode dizer-se sem risco de exagero. Não que alguém visse ou contasse, mas pelo fumo que se via sair pela chaminé podia concluir-se que rodeada do marido e dos dois filhos, teriam motivos para lamber os beiços antes de se deitarem com a barriga cheia. Se havia ou não confeitos, é outra conversa.     

- Sim. Então, mas onde e que entra o encanto?

- Não sei se o meu amigo sabe, mas antigamente havia por aí muito trigo. Era um mês inteiro de malhadas. Andava por aí um moleiro e mais a mulher, que eram de Alvelos. Vinham até cá acima buscar os grãos de milho, levam-nos em sacos carregados por um burro até ao moinho no rio Varosa, e depois de tirada a maquia deles traziam a farinha parte dos lavradores. Ora, certa vez, os moleiros traziam com eles um filho ainda de cueiros.  Era dia de consoada. Acontece que na hora de voltarem para casa, caiu para aí um nevão de se lhe tirar o chapéu. Vendo-se sem condições de se fazerem ao caminho, bateram à porta da mafarrica de coração de pedra. Mesmo ruim, não teve coragem a megera de os não auxiliar. Deixou-os acoitarem-se num cardenho ao lado da casa. Estaria com o bacalhau quase comido, mas não lhe sabia bem. No casebre o bebé chorava pobre coitado que nem cordeirinho a balir de fome. Segundo ela contou mais tarde, sentiu que aquele som de choro era mesmo o do seu nome, ao ponto de futurar que a criança a chamava. Num repente levantou-se e foi buscá-los a todos. Ao pai, à mãe e ao filho, pois burro ou alimária é coisa que não entra em cozinha nem na noite de Natal...

- Não fez mais do que a sua obrigação, mas vinda de quem veio é coisa de se admirar e foi uma boa acção…

- Foi. Tanto que o pequenote não lhe saía do colo, e ela toda enlevada passou o tempo a apaparica-lo. Os que viam até se benziam de espanto. Aquilo mais parecia milagre ou sonho. Mas não foi. A mulher que antes tinha a alma caiada de negro que nem caco felugento, sentiu nascer-lhe como que uma chama lá por dentro. Afeiçoou-se ao ganapo ao ponto de tomar conta dele daí para diante. Veja bem que até o mandou fazer-se doutor em Coimbra e tudo.

- Coisa bonita de se ver, sim senhor.       

- Modificou-se a avareza em pessoa. Mudou ao ponto de ajudar qualquer pobre que lhe batesse à porta. O moço tronou-se garboso e fez-se um homem muito bom e sabedor ao que dizem, pois não me lembro muito bem e só sei de ouvir dizer.

- Em todo o caso são dignos de palmas quere o gesto quer a mudança da mulher de que me fala.

- Sem dúvida que sim. Mas sabe uma última coisa? Ao que me chegou, toda a aldeia jurava nesses dias e anos logo a seguir, que nem naquela tarde os moleiros foram vistos por mais ninguém, e nem sequer tinham ou tiveram qualquer filho. Agora, quem seriam aqueles três e mais o burro que bateu à porta a pedir guarida naquela noite de Natal?             

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