Manuel Igreja

Manuel Igreja

Capitão Pardal: Vilão, ou herói ?

Dia um de junho de 1975. Portugal ardia de ânimos exaltados. Era o “verão quente” com o PREC – Processo Revolucionário em Curso, desabridamente a quer escangalhar tudo. As luzes do iluminismo de abril, à fina força queriam indicar o caminho do futuro dito como harmonioso.

Como em todos os processos históricos enroupados de revolucionários, uns queriam mudar mesmo tudo, outros não queriam mudar nada, e outros queriam que se mudasse alguma coisa para que tudo ficasse na mesma. É clássico, recorrente e repetente.

Na então vila do Peso da Régua, no majestático edifício da Casa do Douro, sede da Lavoura duriense, mas também local onde se construíram os equilíbrios possíveis e/ ou desejáveis entre os setores e a mando do poder central, um grupo de militares tentava impor uma nova Ordem.

Capitaneados pelo capitão Pardal, tinham a missão de extinguir a Casa do Douro enquanto Organização Corporativa, à semelhança do que havia acontecido com todas as outras. Não o conseguiram, porque pela frente, ou seja, dentro do edifício de mármore, deparam-se com forte e popular resistência.

De por entre os vinhedos veio um bom punhado de gente para defender a Casa do Douro ameaçada. Como em tudo por aqueles dias, aceleraram-se os corações, o quente sangue circulou nas veias e estonteou as cabeças. Num nada podia acontecer qualquer desgraça, porque os inimigos eram encontrados logo ali na ponta de um qualquer dedo indicador.
Não foi felizmente o caso. Nada de horrível aconteceu naquele dia na Rua dos Camilos na capital do Douro vinhateiro. Pelo que se sabe, nos gabinetes da Casa do Douro, homens sensatos e cordatos, afincadamente contactaram quem mandava e estava longe, negociaram, trabalharam, mas não extremaram.
Podiam ter ido aos píncaros da emoção que tolda o discernimento, mas não foram. Militares e civis berraram, pontapearam se calhar as cadeiras e esmurraram as mesas, mas nas faces alheias unicamente olharam eventualmente com ganas de sabe-se lá o que. Podiam ter deitado fogo pelos olhos e pelos canos, mas não. Foi só palavreado em redor dos panos.

Obviamente que não faltaram os berros que ninguém ouviu porque em momentos assim ninguém escuta. Levou-os o vento. Só um ficou na memória dos que são mais atentos aos pequenos pormenores que dão consistência à grande História. “Nem Cunhal nem Pardal”, ainda ecoa neste vale encantado o principal grito naquele dia naquele sítio.

Por certo o capitão com nome de ave ouviu-o. Tenho para mim que sabia que era tido como alguém que comia criancinhas ao pequeno almoço. Terá sido isso que o refreou e lhe manteve a pistola no coldre. Ao que sei, gostava e gosta desta região, como qualquer outro que nela tenha nascido. Nasceu cá e vive cá, por isso se esforçou.

Não se livrou nem livra do ferrete, mas é uma injustiça nascida e mantida pelo preconceito que se não dá ao trabalho de ver o homem e mais as suas circunstâncias em cada momento e em cada contexto histórico. Aquele militar de abril, merece isso. Não deve ser visto como o cacho podre no meio do cesto vindimo.

A Casa do Douro de então resistiu porque se lutou por ela e porque houve sabedoria. Sobreviveu como era. Não foi legalmente alterada, num caso único a par de uma outra instituição. Os pássaros arribaram, mas foram espantados para longe.

O Capitão Pardal soube conduzi-los na debandada, mas também soube estar enquanto foi senhor do ninho. Se foi vilão ou herói? Não sei. A História daquele dia e dos imediatamente próximos ainda não foi cabalmente contada, mas vilão, não. Porque digo isto, como quem diz, é vinho para outra pipa.


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