Manuel Igreja

Manuel Igreja

A espanhola na Linha do Douro

Nas minhas idas e vindas à cidade grande, ao Porto, por vezes utilizo a espanhola. Ela já anda a rondar a meia-idade, para ser simpático, está pintada de amarelo, anda razoavelmente, mexe-se de um lado para o outro dando um ou outro solavanco, mas cumpre a finalidade.

Acaba por ser razoavelmente aconchegada apesar de tudo. Confesso que a páginas tantas, dou por mim em leve sono que de imediato interrompo quando dou conta por decoro, algo que ainda me resta um pouco. Parece mal dormir assim. Digo eu.

Indo de jornada sozinho não opto por outra alternativa. A espanhola serve-me perfeitamente para o efeito. Posso sempre optar pela estrada pombalina repleta de curvas em cotovelo e com acentuado declive, ou pela moderna autoestrada que esventra a serra, mas não. Vou de comboio.

Seus marotos! Agora é que me apercebi para onde estavam a levar a conversa assim num supor sem rédeas em galope desabrido e sem limite para a imaginação. Compreendo e desculpo, pois, reconheço que a prosa estava com uma pitada de picante. Foi sem querer.

A espanhola de que vos falo não é essa. Espanholas no Douro para fins desavindos e maus caminhos foi noutros tempos quando havia por aí uns certos marialvas com algum ócio e dinheiro no bolso para desbundar na boa-vai-ela.

Espanhola neste caso, é o nome que se me deu para chamar à locomotiva que percorre com o garbo possível a Linha do Douro. A coitada já a merecer descanso é alugada em Espanha para nos transportar pelo caminho-de-ferro, o tal meio de transporte do futuro, ou pelo menos assim tido em toda a parte menos em Portugal que se encarregou encerrar troços e mais troços ao arrepio do recomendável.

Pelo que se ouve, agora é que se deu conta, na velha tradição no faltam promessas de rejuvenescimento e até de abertura de novas vias, o problema é que de promessas está o inferno cheio e as palavras leva-as o vento. Mas estou em crer que alguma coisa há-de ser feita.

No, entretanto, que irá ser longo, cidadão que preze e queira viajar de comboio passando a latitude do Marão, tem de usar a ronceira espanhola que deve custar um dinheirão só em bebida feita combustível pois pesa mais que mil diabos. Só nos arranques, imagino. São galões e mais galões.

Mas tem força a dita cuja. Até parece que se desparafusa. Mas tum-tum daqui tum-tum dali, lá regressa e vai com a dignidade de coisa que ainda se acha para as curvas.

Quem a não tem, a força, somos nós durienses que também não temos quem nos valha por não sabermos dar-nos ao respeito. Permiti-mos que nos esqueçam depois de se lambuzaram por cá com o que temos de bom.

Assim sendo e enquanto isso, só nos resta ir na espanhola.


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