A pandemia de covid-19 provocou um duro golpe na vida de uma família de Vila Real: a faturação do restaurante caiu a pique, o que originou rendas em atraso e uma ameaça de despejo do estabelecimento comercial.

O impacto de uma pandemia inesperada foi sentido em “tudo”. Mónica, 30 anos, quer ser chamada apenas pelo primeiro nome e disse que vive dias difíceis de incerteza e de luta.

“Foi tudo, casa, restaurante, tudo. Primeiro comecei por não conseguir pagar a renda da casa. Cheguei a ter cinco meses de atrasos”, contou à agência Lusa.

Mónica está grávida, tem três filhos, cuida de um irmão menor, o marido está desempregado e o restaurante é a única fonte de rendimento da família.

“Tinha medo de perder a casa e de ir para a rua com os filhos. O que fazia hoje era para viver o de amanhã e isso está a afetar-nos muito”, afirmou.

Hesitou muito, mas decidiu pedir ajuda. A Cáritas Diocesana abriu-lhe as portas e, com a ajuda da Câmara de Vila Real, que ativou o fundo de emergência social, e da própria imobiliária, conseguiu pagar as rendas da casa em atraso.

Mantém-se, no entanto, o problema no restaurante, de onde disse que recebeu uma ameaça de despejo também pelas quatro rendas em atraso (850 euros mensais).

Continua a servir almoços em regime de ‘take-away’. “Com o que faço hoje vou às compras para amanhã. Tanto faço 20 euros como posso fazer 15. É muito variável”, referiu.

No dia em que foi feita a entrevista foram servidas sete refeições por 35 euros.

“Se não tiver o restaurante aberto não ganho de lado nenhum e então como vou criar os meus filhos? Nem que seja comprar hoje um litro de leite, amanhã uns iogurtes. Não temos outros ordenados. Só vivemos disto”, frisou.

Há um ano, recorda, “as coisas estavam a correr bem”. A faturação no restaurante dava para fazer face às despesas. “Conseguíamos pagar as contas, a água, luz, rendas, pagávamos tudo”, apontou.

Ao almoço, referiu, chegaram a trabalhar cinco pessoas no restaurante.

Em março de 2020 surgiram os primeiros casos de covid-19 em Portugal, foi declarado o estado de emergência e o país entrou em confinamento.

“E nunca mais. Foi aí que começaram as dificuldades e o que se seguiu foi uma bola de neve”, referiu.

A reabertura no ano passado “foi muito complicada” e Mónica percebeu ter perdido muitos clientes diários, que passaram a trazer o almoço de casa. “Aí perdemos muitos clientes, vinham só para tomar café, mas para comer não”, salientou.

Seguiram-se “meses difíceis” e quando as “coisas estavam a compor” foi decretado mais um confinamento.

Sem condições para o ensino à distância, os filhos puderam continuar a ir para a escola no período de confinamento, onde tiveram acesso aos equipamentos informáticos e a refeições. 

“Não sei explicar o que sinto, medo, revolta, é tudo misturado, o querer pagar e não ter como (…). Cheguei a um ponto que já não sabia para onde me virar, nem o que fazer, nada”, apontou.

Quanto a apoios estatais, recebeu no primeiro confinamento uma “pequena ajuda” por ficar em casa com os filhos e, agora, um valor variável, a cada mês (188 euros e 202 euros), de apoio à quebra da faturação. Uma vez que não tem empregados disse não ter direito ao apoio ao arrendamento do restaurante.

Mónica contou que se sentiu muito perdida em “toda a burocracia” e foi também nisso que a Cáritas ajudou.

Sandra Marcelino, coordenadora do programa Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS), que está a ser desenvolvido pela instituição da igreja, referiu que a prioridade no apoio a esta família foi a renda de casa e que a solução encontrada foi “tripartida” entre a Cáritas, a agência imobiliária e a câmara municipal.

Quanto à renda do restaurante, a responsável referiu que o despejo “não pode acontecer sequer” nesta fase de pandemia.

No âmbito do regime extraordinário de proteção dos arrendatários durante a pandemia, os despejos, as denúncias e as oposições à renovação dos contratos de arrendamento habitacionais e comerciais vão continuar suspensas até 30 de junho de 2021 (inclusive).

A família solicitou também ajuda alimentar e Sandra Marcelino explicou estar a mediar o processo com a Segurança Social, processo esse que é dificultado pelo facto de Mónica ser trabalhadora independente.

“É um caso muito complexo, são várias problemáticas que são necessárias resolver, mas têm de ser resolvidas uma de cada vez”, referiu.

Por causa da covid-19, os pedidos de ajuda à Cáritas de Vila Real duplicaram comparativamente com o período antes da pandemia.

“E, infelizmente, a tendência não é para melhorar”, disse Carlos Martins, vice-presidente desta instituição.

Até março de 2020, a Cáritas acompanhava uma média de 1.000 famílias por mês e, um ano depois, são 1.300 agregados mensais.

  A maioria dos pedidos tem a ver com a ajuda alimentar, mas a instituição ajuda ainda no pagamento de renda, de contas de eletricidade, água e também de medicação.

No programa de ajuda alimentar, através do qual são distribuídos géneros alimentares a pessoas carenciadas, eram apoiados, até março de 2020, 397 beneficiários.

Depois de abril, a resposta foi duplicada e a Cáritas passou a apoiar 794 beneficiários, numa média de 305 agregados familiares.

“Duplicámos a resposta e mesmo assim não é suficiente. Ainda temos que recorrer a vales e cabazes internos da instituição para respondermos a todas as solicitações de ajuda alimentar”, referiu Carlos Martins.

 

Covid-19/Um ano: Surto em lar de Vila Real foi “precursor” e chamou a atenção do país

O Lar Nossa Senhora das Dores, Vila Real, chamou a atenção para o impacto da covid-19 nestas instituições e, um ano depois, a segurança é a regra, o rastreamento é mensal e as visitas fazem-se através de um vidro.

O surto de novo coronavírus detetado em 22 de março de 2020 naquela instituição particular de solidariedade social (IPSS) atingiu cerca de 100 pessoas, entre idosos (72) e funcionários.

No lar, localizado no centro da cidade de Vila Real, prefere-se falar do presente e do futuro, e dos “cuidados rigorosos” que são cumpridos para manter a segurança dos utentes e de quem lá trabalha.

“Muito cuidado e tentativa que todos nós tenhamos noção que os cuidados são aqui dentro e são lá fora”, afirmou a diretora técnica do Lar Nossa Senhora das Dores, Maria do Carmo Varejão.

A responsável apontou o constante uso de equipamento de proteção individual, o trabalho em espelho, o rastreio mensal e as visitas feitas à distância, através de um vidro.

Talvez esta seja uma das consequências mais dolorosas da pandemia e que, há um ano, impede o toque, o abraço ou o beijo entre os idosos e os seus familiares.

A maior parte dos residentes, segundo Maria do Carmo Varejão, tem consciência de que é tudo “por uma questão de segurança” e lá dentro, onde os jornalistas não puderam entrar, “faz-se o máximo” para encurtar o distanciamento familiar, nomeadamente através de videochamadas e a realização de diversas atividades.

Os procedimentos foram impostos por causa da pandemia de covid-19 e são comuns aos de muitas outras estruturas residenciais para idosos.

Mas, para o presidente da Câmara de Vila Real, Rui Santos, o surto no Lar Nossa Senhora das Dores foi “precursor de um caminho que obrigou o Estado central a organizar-se e a criar regras”.

“Ficou ali claro que Portugal não estava preparado, não sabíamos o que fazer confrontados com uma situação daquelas”, afirmou o autarca socialista.

Naquela semana de março de 2020, mês em que foram detetados os primeiros casos covid-19 em Portugal, após muitas hesitações e recuos, os utentes da IPSS foram sendo retirados para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD), para o Hospital Militar do Porto e, a grande maioria, para o hospital de Vila Real do grupo privado Trofa Saúde.

Após a evacuação mediática do edifício, com filas de ambulâncias e muitos operacionais envolvidos na ação, o lar foi descontaminado pelo Exército e o regresso dos utentes foi feito de forma faseada, após a sua recuperação.

O último regressou 90 dias depois e, associados à covid-19, verificaram-se oito óbitos.

“Foram dias de grande intensidade, mas também de grande aprendizagem. Aprendemos a fazer, fazendo”, afirmou Rui Santos.

O autarca referiu que quando a câmara foi chamada a intervir dentro do lar estavam “sete ou oito funcionários”, também eles infetados, a tratar de todos os idosos.

“A memória mais vincada que tenho é um apelo que me fizeram, à janela da instituição, de ajuda para sair. Isso sensibilizou-me e trouxe-me uma responsabilidade acrescida no sentido de ajudar quer os utentes, quer os funcionários”, contou.

Rui Santos disse que se conseguiu uma “boa solução”, com os dados que tinham e com o que se sabia à época.

Antes da evacuação do lar, um grupo de voluntários do Exército e da Cruz Vermelha entrou no edifício para ajudar no apoio aos idosos.

“Olhando para trás, julgo que fizemos bem, que tomamos as atitudes certas, radicalizámos o discurso, fizemos um braço de ferro até com o Governo, mas esse foi o caminho adequado para tranquilizar as famílias e salvar vidas. Era isso que estava em causa”, salientou.

E hoje, salientou, tomaria “exatamente a mesma decisão”. “Se não tirássemos de lá os idosos não tínhamos quem tratasse deles”, referiu.

Atualmente, o lar possui 60 utentes e 62 funcionários no ativo. Na IPSS já todos foram vacinados contra a covid-19.

“Estamos com menos 20 residentes do que aquilo que tínhamos para podermos ter áreas de isolamento”, explicou Maria do Carmo Varejão.

Menos utentes significam menos mensalidades, no entanto, o número de funcionários mantém-se, os gastos diários em proteção "aumentaram muito" e, tudo isto, segundo a responsável, tem “um impacto enorme na vida financeira da instituição”.

Desde o início da pandemia foram contabilizados 3.942 casos positivos de infeção pelo novo coronavírus e 62 óbitos no município de Vila Real. Na sexta-feira havia 15 casos ativos.

Rui Santos adiantou ainda que, no concelho, foram administradas 8.000 doses da vacina contra a covid-19 e lembrou que este foi o primeiro município do país a montar um centro de vacinação.

A pandemia teve impactos a nível da saúde e económicos. Comparando os meses de fevereiro de 2020 e 2021, há, segundo o autarca, “mais 45 desempregados”.

“E há, sobretudo, uma grande incerteza em relação ao futuro. Este é um daqueles anos que nunca mais esqueceremos na vida”, frisou.



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