Um mês depois, Manuel Ramos, de 74 anos, falou com o filho através de uma videochamada e representou mais um sinal de esperança nos cuidados intensivos do Hospital de Vila Real, onde são tratados os doentes covid-19 críticos.

A voz ainda é fraca e, por isso, o septuagenário precisa de ajuda para se fazer entender pelo filho que, do outro lado do ‘tablet’, sorri por ouvir a voz do pai.

“Já não ouvia a voz dele quase há um mês, tem sido uma maratona muito grande. Mas vai correr tudo bem”, afirmou o filho, Rui Ramos.

Manuel Ramos disse ter saudades de casa, que está a ser bem tratado no hospital e, pelo meio, a conversa ainda passou pelo futebol.

O quadro clínico era complicado, com covid-19, diabetes, hipertensão, obesidade e uma operação recente. “Mas, graças a Deus, as coisas estão a correr bem e vamos esperar que continuem a correr bem”, salientou o filho.

Manuel Ramos teve de ser submetido a ventilação invasiva, através de uma traqueostomia, e, depois de lhe ter sido removido o tubo, entrou numa nova fase da recuperação, mas ainda com um longo caminho pela frente.

Para além da videochamada, durante uma visita à unidade de cuidados intensivos (UCI) de Vila Real, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD), foi possível observar o médico intensivista Igor Milet a fazer uma traqueostomia, a enfermeira Marta Pinto numa sessão de reabilitação com uma paciente e ainda conversar com uma doente ali internada há 15 dias.

Olinda Gomes, de 59 anos e residente em Resende (Viseu), disse que não sabe como contraiu o coronavírus SARS-CoV-2 até porque há muito que andava a ter cuidado e nunca saía de casa sem a máscara.

A “pouca força” que sentia foi o sinal para ir ao médico e acabou por ser o caso mais grave na família. Não precisou de ventilação invasiva, mas uma pneumonia e o receio de um agravamento da sua situação trouxeram-na à UCI.

A enfermeira-chefe Jandira Carneiro explicou que muitos destes doentes ficam com “grandes sequelas”, desde motoras, respiratórias ou cognitivas. “Temos doentes a chegaram aos 65 dias aqui. É dramático”, apontou.

Marta Pinto, enfermeira especialista na área da reabilitação, referiu que estes têm sido meses de “muito trabalho”, de “algumas tristezas” e de “grandes alegrias”.

É que mesmo após a cura da covid-19, há um “longo percurso” porque há doentes que ficam em comas induzido vários dias e o seu corpo requer toda uma reaprendizagem.

“Tenho tido muitos doentes a sair daqui a andar pelo próprio pé”, salientou, explicando que alguns “têm de reaprender a respirar, a comer, a tossir, a andar”.

Igor Milet frisou que a covid-19 é uma doença com “um percurso complexo, muito longo e que cria outros problemas” nos doentes. “O processo de reabilitação, de recuperação da qualidade de vida, muitas vezes é conseguido fruto de muito trabalho, mas também é verdade que há doentes que ficam com sequelas para a vida”, referiu.

Esta doença, frisou, levantou um novo “paradigma de cuidar” porque tira o “direito ao doente e à família de um acompanhar do processo do cuidado”, pelo que, acrescentou, se tenta fazer a aproximação através dos meios audiovisuais.

A UCI do CHTMAD chegou a atingir a capacidade máxima de 24 camas ocupadas com doentes covid-19. Esta semana o número de doentes na UCI era de 11.

Os meses que se seguiram a outubro foram de grande pressão e foi, inclusive, ativada uma nova área junto ao recobro do bloco operatório para doentes não covid-19, conforme estabelecido no plano de contingência. Essa área já foi, entretanto, desativada.

Francisco Esteves, diretor do serviço de medicina intensiva, referiu que não houve necessidade de transferir doentes críticos para outros hospitais e que este centro hospitalar recebeu pacientes de outras instituições.

O médico explicou que no CHTMAD, após a primeira vaga, se apostou na antecipação de cenários, no planeamento, no reforço das equipas e na reorganização da UCI, criando circuitos independentes e áreas de isolamento com pressões negativas.

Foram investidos cerca de 1,5 milhões de euros, adquiridos mais ventiladores e o número de camas aumentou das 14 para as 24.

“Aquilo que fizemos foi tentar antecipar e planear cenários difíceis de forma a podermos dar uma resposta adequada à comunidade”, afirmou Francisco Esteves.

Neste serviço trabalham à volta de 150 profissionais de saúde e, desde março de 2020, foram admitidos cerca de 170 doentes covid-19 críticos, com os resultados preliminares a apontaram para uma taxa de mortalidade a rondar os 20%.

Médicos, enfermeiros, assistentes operacionais estão juntos na luta pela vida destes doentes que, na UCI, estão permanentemente monitorizados.

Francisco Esteves disse que o CHTMAD se vai manter com “perfil de ativação máxima pelo tempo que for necessário” para dar resposta a doentes covid e, sobretudo agora, cada vez mais a doentes não covid-19.

“Neste momento já parece haver um bocadinho de alívio em termos de carga de trabalho, agora do ponto de vista psicológico acho que ainda nenhum de nós se conseguiu libertar porque não temos a certeza do que é que vem a seguir”, afirmou Jandira Carneiro.

A vaga que se segue pode ser outra vez de covid ou de doentes com outras patologias e, por isso, “baixar a aguarda” são palavras que não são usadas neste serviço.

Os profissionais insistem também no apelo à população para que adote todos os cuidados necessários para travar a pandemia.

Paula Lima, da agência Lusa



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