Luis Ferreira

Luis Ferreira

Pretensiosismos e cinismo

Portugal celebrou uma vez mais o aniversário da revolução dos cravos. Não sei quantos anos mais iremos continuar a celebrar essa data integrada ou ligada, como quisermos, ao evento que nela teve lugar. É que uma coisa é celebrar a data, outra é comemorar o facto que aconteceu e que pôs termos a um regime autoritário de quarenta e oito anos. Além disso, há quantos anos se deixou de comemorar o 1º de dezembro? Era até ao ano transacto, feriado nacional, hoje deixou de o ser. A data permanece nos anais da História, mas a comemoração desapareceu!
Por enquanto, vamo-nos regozijando com o facto de podermos comemorar tanto a data como o evento que nos trouxe a liberdade e a democracia. Mas não nos enganemos. Há muitos a quererem ligar-se ao evento revolucionário sem que para isso tenham contribuído grandemente e muitos outros que sem estarem ligados à revolução, querem ter hoje um protagonismo que nada tem a ver com a revolução de abril, até porque não estavam no país nessa data. Pouco importa as razões que os levaram para o estrangeiro. Se estavam ou não em desacordo com o regime, isso não os favorece no sentido de merecerem mais ou menos protagonismo nas comemorações de abril. Aqueles que participaram diretamente na revolução e fizeram acontecer a liberdade e a democracia, são dignos de mérito pois arriscaram muito para o conseguir. Felizmente, nós somos um povo pacífico e tudo aconteceu sem muito sangue derramado. Possivelmente derramou-se mais sangue nos tempos que se seguiram à revolução e já ninguém se lembra disso! Coisas da memória!
Mas voltemos às comemorações de abril. Disseram-se coisas e fizeram-se coisas, que só são possíveis neste país onde os interesses se sacam dos bolsos como se de notas se tratassem. Os capitães de abril que sempre participaram nas comemorações dentro do Parlamento, desta vez resolveram que não iriam porque queriam intervir na ação discursando, a seu bel-prazer, ao lado do Presidente da República e dos partidos lá representados. Porquê essa exigência ao fim de quarenta anos? E a propósito, diga-se de passagem que a segunda figura de Estado não esteve nada bem na intervenção que fez à comunicação social sobre esse pedido dos militares de abril. Não foi nada agradável nem elegante e muito menos politicamente correto, a atitude que teve e só não foi mais criticada porque teve a consciência do que fez e alguém a terá chamado à razão acabando por pedir desculpas aos visados. Era escusado.
Mas se na Assembleia aconteceu uma celebração, no Carmo aconteceu outra. Nada de especial seria se não fosse o facto de quem a promoveu serem os tais capitães de abril que, feridos de asa, resolveram aterrar noutro campo, apoiados por aqueles que querendo protagonismo, de um modo ou de outro, apareceram no meio como sendo figuras da revolução sem nada terem feito nessa data e nesse evento. Será que ninguém teve a hombridade de lhes dizer que estavam mal posicionados? Ou será que a consciência dos actos não foi deveras aprofundada para os advertir de que deveriam ser meros apoiantes e nada mais?
Pois, mas outros houve que, muito cinicamente, apareceram a criticar uns e outros como se fossem os verdadeiros protagonistas de abril, sem contudo terem aparecido no palco dos acontecimentos revolucionários.
Pode-se estar a favor da revolução de abril ou não, mas isso não dá o direito a ninguém de querer pôr em causa o que a revolução nos deu que é a democracia. Como se pode querer acabar com um governo que foi eleito democraticamente? Afinal há, ou não há democracia em Portugal? Ou será que só há democracia quando alguns governam e outros não? Se não se está de acordo com quem governa, então nas próximas eleições democráticas, vota-se de outra forma. A isso chama-se democracia. O poder de escolher quem nos pode governar, está nas mãos do povo e ele é que tem de decidir, na altura certa. E não venham dizer que estamos a perder a democracia e a liberdade só porque o governo não serve os interesses de alguns, muitos ou poucos, neste momento. As eleições servem para substituir governos e o povo cá está para os julgar na devida altura. Não queiram substituir-se a quem mais ordena, É errado.
Basta de pretensiosismos. Á velocidade com que os atropelos surgem neste país, não tarda em esquecer o que abril trouxe de bom, para dar voz a quem devia estar calado há muito tempo. Será que a democracia mudou de sentido?


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