Luis Ferreira

Luis Ferreira

A noite das facas longas

As últimas eleições nacionais, que ninguém desejava, mas onde todos queriam tirar dividendos, foi tudo menos o que se esperava. Revelaram-se uma enorme surpresa, até mesmo para a AD.

A campanha foi, como todos se aperceberam, uma triste rapsódia em sol menor onde a música se repetiu eternamente pelas ruas e ruelas das cidades portuguesas. A mensagem era sempre a mesma, desprovida de ideias e de objetivos. Uma repetição constante que enervou os portugueses de tão repetitiva que foi.

O dia das eleições trouxe uma noite repleta de ansiedade, de incertezas, de espectativas. O resultado foi inesperado. As sondagens a desfilarem em todas as televisões aumentavam a ansiedade de cada um e de todos os partidos. Na sede do PS faltava a habitual animação. Nas outras a mesma coisa. As horas foram passando e as certezas esbatiam-se quanto à formação do Parlamento. No final da noite, uma faca longa ficava suspensa sobre todos os partidos. O Chega igualava o PS e poderia mesmo ficar em segundo lugar com os votos da Europa e fora da Europa, ainda por contabilizar. A direita tinha a maioria no Parlamento.

Durante toda a campanha o mesmo slogan, as mesmas críticas, o mesmo vazio. Isso irritou os portugueses ao ponto de alterar o seu voto. Foi um voto de protesto, especialmente contra o PS que fez muito pouco para alargar o seu eleitorado. Conseguiu precisamente o contrário. Foi uma derrota enorme de um dos mais carismáticos partidos do espetro nacional.

O mesmo vazio se verificou no BE que, sem ideias novas e sem mudanças de mensagens, quase desapareceu do Parlamento, reduzindo-se a uma só representação. Mariana Mortágua não fez uma campanha aceitável e bateu sempre na mesma tecla, acabando por afastar os mais próximos. O povo português cansou-se de tanta falta de ideias na campanha. Os partidos limitaram-se a criticar Montenegro e nada mais disseram do que isso. Faltaram compromissos com ideias novas e novos objetivos estruturais de governação. O povo português esperava por isso.

A CDU repetiu a cassete habitual e, não tendo capacidade para mudar o teor da mensagem, afastou os que habitualmente depunham o voto em quem poderia lutar pelos seus direitos mais prementes. Reduziu a três os deputados da Assembleia.

Dos partidos da esquerda só o Livre subiu a sua representação parlamentar. Contudo, insuficiente para formar qualquer tipo de maioria à esquerda. A JPP da Madeira conseguiu eleger um deputado e pela primeira vez um partido regional vê-se representado no Parlamento.

A grande vencedora, apesar de tudo, foi a AD, que não tendo feito uma boa campanha, conseguiu passar uma ideia de modernidade e promessa de transformação económica, social e política do país, através de um governo mais consistente, mesmo não conseguindo mais do que uma maioria relativa. Atacada por outros partidos, como o PS, acabou por superar a aparente crise e afirmar-se no meio de tanta incerteza.

O Chega conseguiu alargar a sua representação parlamentar e foi um dos vencedores. Poucos acreditavam nisso, mas aconteceu e, se for líder da oposição no Parlamento, muito há que esperar dele. As pretensões de Ventura não ficam por aqui. Disse-o na noite das eleições após a contagem final dos votos. E até fez ameaças, coisa normal neste partido. A AD sabe que tem de contar com o Chega ou contar com o apoio do PS para levar a estabilidade governativa avante.

Inicialmente esperava-se que a Iniciativa Liberal conseguisse fazer maioria com a AD, mas não chegou lá. Subiu, mas não o suficiente. Rocha foi um vencedor, mas o sonho de entrar para o governo gorou-se. Terá de fazer o seu caminho sozinho.

Agora, no meio da euforia das pequenas vitórias, levantou-se mais uma enorme faca pronta a cortar a direito a Constituição portuguesa. Ventura embandeirou em arco e até fala em castração química e pena perpétua para alguns criminosos. Ao que chegámos! Perde-se o bom senso por tão pouco! O que faz o poder! Falso poder. Este passa de mão em mão e amanhã já não é nosso, ou vosso ou do outro. Perde-se e ganha-se de um momento para o outro.

Alcandorado ao patamar governativo uma vez mais, a AD tem pela frente barreiras enormes para derrubar. Uma delas é o Chega. Isso só é possível com a anuência do partido socialista. Desfeito e num processo de reconstrução nacional, não tem tempo para fazer oposição ao governo. Mas se ajudar o governo aprovando as medidas essenciais a começar pelo Orçamento, o Chega começará a ficar de lado, quase inútil, como a direita necessária para mexer na Constituição. Desta vez, Ventura ainda não chegou onde pretendia. Talvez um dia. Talvez. Por agora fica a aguardar ainda se será ou não o líder da oposição no Parlamento. Mas esta faca continuará apontada à cabeça dos portugueses durante mais algum tempo.



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