Luis Ferreira

Luis Ferreira

Os vândalos racistas

Há alguns séculos atrás, mais concretamente no século V, a Norte da Europa foi invadida por vários povos bárbaros que destruíram o grandioso Império Romano do Ocidente.

Várias investidas dos diferentes povos germânicos, acabaram com um domínio de muitos séculos, quer na Europa, quer mesmo no norte de África, circundando o Mediterrâneo, a que os romanos chamavam Mare Nostrum.

Entre os vários povos bárbaros, vinham Vândalos, Suevos, Visigodos, Saxões, Francos e tantos outros que não vale a pena referir. Por cá se estabeleceram, criaram raízes e ficaram a governar criando reinos que se transformaram em países e em nações prósperas, mas diferenciadas, quer na civilização, quer na cultura intrínseca de cada um.

Talvez por um acaso qualquer ou porque não conseguiram resistir ao avanço de quem vinha atrás ou determinação do destino, os Vândalos tiveram de atravessar o Mediterrâneo e refugiar-se no Norte de África, abandonando a Península onde pensavam permanecer. Nada mais havia a não ser o Atlântico desconhecido e o Mediterrâneo insondável. Por cá não ficaram. Mas deixaram um rasto de destruição tão grande que ainda hoje nos referimos a quem tem igual comportamento, como autênticos Vândalos.

No caminho da afirmação das nações, cada uma agiu a seu modo, teve os líderes que de alguma forma surgiram e se afirmaram, teve os governos que escolheu, ou não, mas mantiveram as suas identidades culturais, a sua força, o seu querer e idolatraram mesmo alguns dos seus heróis, eternizando-os em estátuas artísticas e significativas, que um qualquer artista sublimou. Nesse percurso, cada nação soube adaptar-se às vicissitudes que enfrentou, soube conviver com os seus vizinhos, a bem ou esgrimindo razões e direitos, tentou ser melhor, e conseguiram moldar a sua identidade e a própria mentalidade. No fundo, criaram as páginas da História Universal que nada nem ninguém conseguem apagar. Todos eram iguais? Não. Todos eram diferentes? Claro que sim. Raças, credos, mentalidades, civilizações, tudo era diferente e será sempre diferente. Ninguém pode alterar isso. E não é força de um determinismo etéreo. É a realidade. O modo como encarar as diferenças é que pode ser desigual e é. A História tem imensas páginas, mas a História é só uma. Ao longo dessas páginas estão pessoas boas e pessoas más, pessoas compreensivas e menos compreensivas, pessoas rudes e menos rudes, tiranos e ditadores, exterminadores, assassinos e alguns Nobel da paz. Lado a lado nas páginas da História, não se tocam, não se ofendem, não se destroem. Tiveram o seu tempo, ocuparam o seu espaço, com a anuência de uns e a oposição de outros, mas agiram de acordo com a consciência de quem tem de fazer algo para resolver situações que se lhes depararam. Uns receberam aplausos, outros apupos, outros fugiram para não serem punidos pelos raivosos.

Hoje, em quase todos os locais, cidades e vilas, países deste planeta, existem monumentos, estátuas de pessoas relevantes que, de uma qualquer forma mereceram distinção, ainda que alguns vindouros, achem que houve desmerecimento. Estão no seu direito. A discordância é uma valência do discurso. Mas não confundamos discurso e discordância com destruição de ícones, ainda que relativizados.

Como simples historiador e professor, não posso admitir que se destrua os representantes da História, como sei que não é possível destruir a História. Ela é indestrutível e os seus homens, bons ou maus, ícones ou simplesmente meros representantes de um ato isolado, igualmente são indestrutíveis e rasgados das páginas a que pertencem. Não sou racista, não sou xenófobo, não sou assassino e muito menos terrorista, mas sou contra os que são destruidores de um património histórico, usando os mesmos métodos que os Vândalos que destruíram tudo à sua passagem, na tentativa de dominar um território que não era deles. A destruição não apaga a memória nem a História. E não pode ser em nome de um epíteto racista, que se pode ter semelhante atitude. O Padre António Vieira usou a palavra para pregar, para convencer, para evangelizar e agora criticam a sua atitude apelidando-o de racista. Um ícone da língua portuguesa? Um nome alto e digno da Cultura nacional? Ele como tantos outros pelo mundo fora, viveram o seu tempo. Alguém apagou Estaline da História? Apagaram Hitler? Apagaram Lenine? Apagaram Nero? Não. Uns bem, outros muito mal, mas não será por isso que serão apagados da memória dos povos e das páginas da História Universal. Simplesmente porque existiram e agiram.


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