Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os tolos míopes e a História

Nunca como hoje em dia houve tantos motivos para se deferem tantas causas.

O planeta exaurido caminha para um ponto em que não consegue proporcionar recursos que bastem, desconchava-se com dificuldades de respiração, a riqueza criada é arrebanha por aves de rapina e predadores que imperam sem rei nem roque, as desigualdades crescem e os ódios fermentam libertando vapores que viram demónios à solta. No entanto, as atitudes sobre causas, viram-se para coisas que sendo importantes viram pífias.

Gente que se tem como sabendo tudo porque não consegue vista de contexto, com compreensão lenta e estupidez acelerada, conde na, repudia, excomunga, e quer impor a sua exclusiva verdade sem dó nem piedade. Houve um tempo, ainda não há muito tempo, em que os que assumiam o vanguardismo de dedicavam a defender um mundo melhor e mais justo, mesmo que na prática a teoria fosse sempre outra, e onde os mais conservadores se esforçavam por mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma.

Agora, uma boa parte de ambos, dedica-se a tentar entupir o túnel do tempo por onde se vê a História. Uns só vendo lá ao fundo glórias passadas, outros só vendo coisas ruins cujas memórias querem destruir porque lhes falta noção abrangente e de enquadramento do Homem em cada época e em cada circunstância. Esquecem-se que individual e coletivamente, somos a soma de todas as partes daquilo que nos antecedeu.

Não sabem que devemos saber, ensinar e assumir, pois só sendo inteiros somos grandes. Especificamente como portugueses somos agora o que somos porque tivemos uma ditadura de meio século liderada por um homem metido nos limites do seu quintal alimentado a hóstias e regulado pelo badalo do sino da paróquia. Milhares ainda vivos sofrem porque participaram numa guerra fora de tempo e sem senso, mas enquanto nação ainda não assumimos o que se viveu e o que se provocou.

Não sabemos olhar lucidamente para trás e verificar que a guerra colonial sucedeu para defender a possessão já fora de prazo, mas que até décadas antes, tinha todo o propósito. Em boa parte, para defender a sua posse colonial, cobiçada pelas potências europeias, soldados portugueses mal preparados e quase maltrapilhos combateram na Primeira Grande Guerra por decisão dos vanguardistas políticos então no Poder, pois à época ainda se não colocava a entrega das possessões por parte dos países ocidentais seus senhores, que eram quase todos.

Portugal foi detentor de um Império porque teve gente sua que venceu o medo e foi mar adentro em cascas de nozes fazendo o mundo mais global e mais pequeno. Nunca soube tirar o devido proveito, porque só se dedicou ao folclore em que se exibe o que se tem, mas inquestionavelmente foi dono de metade do globo terrestre.

Tudo o que fez, foi feito ao jeito de cada tempo dentro dos hábitos e dos conceitos do bem e do mal então em vigor. Houve venturas, houve desmandos, houve bondades, houve crueldades, houve coragens, houve covardias, houve a humanidade em toda o seu esplendor e em toda a sua gloriosa mesquinhez. Todo o mundo é composto de mudança, a única coisa permanente no viver, por isso ele evolui.

O ser humano, o mais completo constituído por milhões de coisas muito complexas, desceu das árvores, tornou-se ereto no porte, organizou-se em comunidade, elaborou a capacidade de sentir e de amar, num processo que durou milhões de anos. Humanos escravizaram humanos e por isso ergueram obras incomensuráveis como as Pirâmides do Egipto, deram conteúdo e forma às civilizações clássicas que nos suportam ainda hoje, em quotidianos absolutamente desiguais, com cruéis injustiças forjaram nações na Idade Média, com exploração sem limite da força de trabalho fizeram a Revolução Industrial, e espalhando sofrimento e morte reinventaram a Democracia que na modernidade nos orienta.

Estamos num tempo em que os novos donos da verdade, querem construir uma sociedade sem empatia e sem lugar para o que é diferente. Iluminados, mas cegos porque não querem ver, querem fazer fogueiras com as páginas rasgadas da História, esconjurando o que se foi passando. Ignobilmente vilipendiam a memória coletiva do comum percurso percorrido, para que se torne uma linha reta.

São tontos e não sabem. Anda a doidice perigosa à solta, mas não se apoquentam.

Só lhes interessa questionar o inquestionável. Nada tarda e vamos ouvir dizer que que não foi a serpente quem seduziu o Adão. Por causa da igualdade de género. Digo eu, não sei.


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