Luis Ferreira

Luis Ferreira

Milagres sem redomas

O mundo vive confrontado com problemas aparentemente graves e de difícil solução. No entanto, a diversidade dos problemas não nos impede de os considerar separadamente e ajuizar o que cada um de nós pode opinar sobre os mesmos.

Os recentes acontecimentos que mobilizaram todos os países do mundo, fizeram posicionar em segundo plano os que há quatro meses eram a primazia da comunicação social e nos entravam pela casa dentro sem pedir permissão. Queixávamo-nos de uma monopolização de informação que praticamente nos impedia de pensar em outras coisas mais agradáveis. A abertura dos noticiários era feita com notícias bombásticas e nada agradáveis. Ataques terroristas de um lado, bombas de outro, destruição de cidades e países, confrontos e ameaças nucleares, mortes no Mediterrâneo, ataques económicos e tantas coisas mais que chegavam a ser quase um exagero de informação. Mas não era. Os acontecimentos provavam-no. Eram momentos de incerteza e preocupação, mesmo para quem nada tinha a ver com esses problemas de solução imprevisível. Mas esses problemas trouxeram mais problemas.

De há quatro meses para cá, os problemas não desapareceram, mas surgiram outros que monopolizaram toda a informação. Já não se fala de atentados terroristas nem do Daesh, do Estado Islâmico do Iraque ou do Levante, da Síria e da sua destruição, do Boko Haram, da ameaça muçulmana na Europa, do racismo, nem das ameaças entre a Coreia do Norte e os EUA. Mas estes problemas mantêm-se. Não desapareceram. A comunicação transferiu o seu interesse para outros problemas mais atuais e prementes. Canalizar a atenção das pessoas para determinados conteúdos é prioritário e agora, quer se queira quer não, o interesse é Covid19.

A verdade é que neste momento também já estamos a ficar fartos de ouvir notícias sobre esta pandemia. Todos os noticiários abrem com números sobre o que se passa em cada país do mundo a nível de óbitos com Covid19 e sobre os que estão contaminados com o vírus.

Passados já cerca de quatro ou cinco meses desde que o vírus apareceu e se começou a espalhar, parece que muito pouco mudou. Quando todos pensavam que se estava a controlar este inimigo invisível, começa-se a ter receio de uma segunda vaga e já começamos a temer outro confinamento. Pelo menos alguns. É que para determinadas pessoas, o vírus é coisa passageira, é mais um vírus de uma qualquer gripe ou nem sequer os pode atingir porque são imunes a estas coisas que só atingem os mais velhos e os idosos. Então toca de abusar e mostrar que já estavam fartos de confinamento e o que era preciso era mesmo exteriorizar toda a força contida ao longo dos três meses em que não puderam sair à rua. E como é que se faz? Farra. Haja farra à farta que o vírus não se mete connosco. Erro fatal. Estamos à beira de uma segunda vaga e de novos confinamentos se o juízo não voltar à cabeça de quem não pensa que há outras pessoas para além deles. O bom comportamento inicial a que alguém chamou de “milagre” português, está a esvair-se completamente. Por enquanto, temos núcleos de contaminação que o governo está a tentar controlar, mas não é fácil. Os números continuam a crescer principalmente em Lisboa e arredores. E é curioso, que até a Espanha terrivelmente atingida, tem presentemente menos pessoas infetadas que nós diariamente. O que se passa afinal? O Santo António e o S. João deixaram de fazer milagres? Ou será que a devoção abrandou?

Parecia estarmos numa redoma e que nada nos atingia. O vírus era coisa para o resto da Europa, onde a Itália e a Espanha acompanhadas pela França, passavam momentos de aflição. Nós estávamos imunes. Os mais incrédulos até podiam pensar assim, mas os mais atentos a estas coisas, esperaram para ver e viram. Viram-no chegar e atingir o país inteiro, matar indiscriminadamente, velhos, idosos, crianças, e todas as raças e etnias. Ele não é racista. Tem, contudo, um aliado muito importante: a irreverência da juventude e a loquacidade que os envolve como se fosse uma redoma impenetrável. Mas não é. O vírus precisa deles para acabar com a falta de respeito que temos uns pelos outros. Quando se falava que o mundo não voltaria a ser o mesmo, esperávamos que todos tivéssemos a consciência e a responsabilidade que ao nosso lado mora um vizinho, mas não. Afinal, será que vai mudar ou ficaremos na mesma a acreditar que ainda há quem faça milagres?


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