Luis Ferreira

Luis Ferreira

As coisas que não se dizem

Somos bombardeados todos os dias com notícias, na sua grande maioria, de uma tristeza incrível. Habituámo-nos a ouvir somente notícias de mortes, guerras, assassinatos, explosões e um sem número de outros casos qual deles o mais abominável, Parece que nada de bom acontece!
No meio de tanto dizer e acontecer, realmente somos levados a imaginar o que é que afinal acontece de bom neste país? Se alguma coisa boa existe, ela não é noticiada, pois se o fosse nós saberíamos. Há coisas que não se dizem porque ou não interessa ou não chama audiência. O que interessa não é se o cão mordeu o dono, mas se o cão foi mordido por ele.
Seja como for, somos arredados das boas notícias e se as sabemos é por vias terceiras. A verdade é que nós bem precisávamos de umas quantas notícias agradáveis para nos tirar os maus pressentimentos que nos invadem todos os dias trazidos pelos ventos da comunicação social de todo o mundo. O mundo está louco! Para que queríamos agora uma guerra na Crimeia! O que deu afinal àqueles indivíduos para não quererem ter o seu país e passarem-se para a Rússia que os dominou durante setenta e dois anos? Será que gostaram assim tanto? Ou haverá outras razões? Se calhar não interessa dizer que razões são essas, mas alguns de nós até sabemos quais são. Perder tempo a explicá-las é que não interessa. O que é preciso é sangue.
Não há ainda muito tempo, fomos confrontados com a notícia de que os quadros de Miró iam ser vendidos em Londres. Logo se levantou uma polémica enorme acerca disso que levou à interrupção do leilão. O que ninguém explicou foi a razão ou razões que estavam por detrás de tudo o que se passou.
A coleção Miró é composta por um lote de 85 quadros que fou adquirido pelo Banco Português de Negócios a um coleccionador japonês em 2006. Na altura o BPN era gerido por Oliveira e Costa. No ano seguinte a leiloeira Christie’s avaliou a coleção em 81,2 milhões de euros e, algum tempo depois, a mesma leiloeira avaliou-a em 150 milhões.
Em novembro de 2008, o BPN foi “nacionalizado”, somente o lixo tóxico, e logo de seguida a Parvalorem – empresa estatal para gerir os activos tóxicos do BPN, tornou a venda da Coleção Miró, uma das suas principais prioridades, acabando por fechar negócio no final de 2013 com a Christie’s, embora não tenha cumpridos os prazos legais estabelecidos na Lei de Bases do Património Cultural para pedir a saída das obras. Mas o que é certo, é que a 21 de janeiro de 2014, as obras estavam expostas na leiloeira em Londres.
Isto não é a parte mais interessante da notícia. O que interessava noticiar, nunca foi dito, porque não interessava. O mais interessante é o seguinte. Enquanto a Coleção Miró foi propriedade privada, foi avaliada pela Christie’s em 150 milhões de euros, mas quando passou para propriedade do Estado português, a mesma leiloeira avaliou-a em apenas 36 milhões. Para acrescentar mais sumo a tudo isto, a Christie’s diz que os 36 milhões é o valor que dará ao Estado português pela venda da Coleção e tudo o que ultrapassar esse valor será propriedade da leiloeira. Estão a perceber?
Claro que uma providência cautelar barrou todo o negócio que era crime de lesa-pátria, mas a Christie’s fez saber que continua interessada no negócio. Pois também eu estaria nessas condições! Negociatas muito pouco transparentes, sem dúvida. Alguém foi informado sobre estes negócios e o que andava nos bastidores? Não interessava, claro!
Claro que este tipo de notícias não muda o nosso rumo de vida nem nos faz pensar muito nelas a não ser pelo facto de andarmos a ser enganados por uns enquanto outros se vão safando à nossa custa. Mas isto já nós sabemos e por isso não é notícia de pormenor.
Serve o exemplo para realçar o que já disse no aspecto de ser ou não importante dar determinadas explicações sobre situações que deveriam ser conhecidas de todos. Anda-se a tentar explicar o que aconteceu na praia do Meco. Porquê? Porque efectivamente, além de terem morrido seis universitários, há as famílias que exigem que se lhe dê uma razão plausível para o que aconteceu. Quem dá essa razão? Ninguém. Porquê? Porque, mais uma vez, não interessa.
Nestes casos e à falta de outras notícias, vão-nos entretendo com a famosa crise e com as atitudes políticas dos partidos que não se conseguem entender no que é mais importante – o nosso país.


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