Luis Ferreira
A irreverência do perdedor
Proscritos sem culpa formada, somos prisioneiros em cela própria e apenas temos por companhia a família mais próxima, fruto das contingentações que a todos abalam. Enfim.
Seja como for, a situação permite-nos ter mais tempo para olharmos o mundo com outros olhos e informarmo-nos sobre o que nos parece mais premente. A verdade é que nem sempre isto acontece pois o que vem sempre em primeiro lugar, em todas as equações, é a pandemia e as eleições americanas. Penso que qualquer um destes assuntos nos assusta sobremaneira, até porque estão ligados e dependentes.
Depois das mais renhidas eleições jamais vividas nos Estados Unidos da América, eis que Trump não admitiu a derrota e até ameaçou recorrer às mais altas instâncias dos tribunais americanos para julgar as supostas fraudes que ele nunca viu, mas imaginou e até acreditou, quiçá, terem existido. Dias e dias passaram sem que se dignasse sequer a aparecer em público. A sua irreverência faz lembrar a dos meninos que ao perderem um jogo, não admitem e querem jogar novamente para ver se conseguem ganhar, vingando assim a derrota anterior. Pois é, mas isto não é um jogo e foi preciso alguns resultados mais convincentes entrarem na cabeça de Trump para que, à sua maneira, aparecesse em público para falar do … Covid 19. E para quê? Para lembrar que foi a sua administração que fez a vacina e vai distribui-la. No meio do discurso, lá foi referindo que na sua administração ou outra qualquer a vacina chegará a toda a gente para acabar de vez com a pandemia. Era uma espécie de admissão de derrota bem camuflada. Já é qualquer coisa. Contra factos não há argumentos. Mas enfim!
Num país onde o número de óbitos ultrapassa os 200 mil, não há lugar para brincar aos políticos e muito menos às eleições, já que a vida humana está acima de tudo isso. Ora se bem nos lembramos, Trump andou a brincar com o vírus mesmo depois de ser apanhado por ele, se é que foi, pois nestas coisas, há que duvidar vindo de quem vem.
Neste momento em que o mundo vive aterrorizado pelo aumento do número de infetados e de óbitos, desespera-se por uma vacina milagrosa que traga esperança e sossego à população mundial. Trump e a Pfizer acenam com uma que terá, garantem, 90% de eficácia. É o modo mais airoso que o presidente americano tem de sair da sua administração, se for o caso. Mas, como sabemos não foi a Pfizer que descobriu a vacina, mas sim um casal turco sediado na Alemanha e que mantém interesses com a Pfizer que é a grande distribuidora mundial de produtos farmacêuticos. São negócios, claro.
Para não ficar para trás nesta corrida, o presidente Putin vem informar que também tem uma vacina e que o seu grau de eficácia é de 92%. E agora? Pode ser que esta concorrência seja saudável, mas como envolve dinheiro, muito dinheiro, a saúde fica sempre para segundo lugar e todos desconfiamos. Entretanto, o vírus vai matando cada vez mais e pouco há a fazer para evitar que isso aconteça, a não ser… ficar em casa. Mas a economia não se compadece com estas soluções caseiras e a crise espalha-se quase tão depressa como o próprio vírus.
De estranhar é a atuação de alguns grupos completamente irreverentes e contrário ao que seria normal nestas situações, virem a terreiro manifestar-se contra o uso de máscaras e contra o confinamento. Em Portugal, a exemplo do que se passa no Reino Unido e na Espanha, por exemplo, lá apareceram, de igual modo, já que gostamos de imitar os outros, umas dezenas de iluminados a reclamarem contra o uso das defesas mais normais que são divulgadas para evitar o espalhar do vírus. É estranho, muito estranho, tão mais estranho quando vemos nesse grupo, médicos e enfermeiros a defenderem o contrasenso. Será que alguém lhes pagou para se manifestarem? Não se concebe de outra forma. Conseguem ser mais irreverentes que o próprio Trump e que os meninos que perderam o jogo do “quantos são?”.
Ainda que só para Março ou Abril, que venha depressa a vacina antes que não restem irreverentes para lutar contra os irreverentes de agora.