Velhos são os trapos!

A pandemia da COVID-19 que o país enfrenta veio colocar a nu a vulnerabilidade das pessoas idosas que continua a ser sucessivamente desvalorizada e minimizada pelo Estado que se tem demitido das suas responsabilidades na promoção de uma política para a terceira idade.

O caso do surto ocorrido no lar em Reguengos de Monsaraz é paradigmático dessa triste e lamentável realidade.

Desde há muitos anos que toda a gente sabe que uma parte considerável das estruturas de acolhimento de pessoas idosas, vulgarmente designadas por lares, não passam de depósitos de pessoas de idade com a cumplicidade de muitos/as que sabem perfeitamente o que se passa lá dentro desde dos maus-tratos que são infligidos, segundo um estudo da Organização Mundial de Saúde, 39% dos idosos são vítimas de violência, passando pela falta de higiene, pela subnutrição até à gritante negligência de que muitos/as destes/as residentes são vítimas perante a indiferença de funcionários/as, de familiares, de amigos/as e dos responsáveis destas estruturas.

Certamente que muita gente ficou chocada com o caso de Reguengos, mas infelizmente esse episódio não é um filme de terror, mas antes é o Portugal real do século XXI.

Portugal, tem o 3º maior índice de envelhecimento da União Europeia, no entanto, são vergonhosos os valores pedidos para uma institucionalização, comparativamente com as reformas auferidas, as penas para criminalização de condutas que atentam contra os direitos da pessoa idosa não sei onde andam, já a ideia do Provedor do Idoso ficou pelo caminho.

A pandemia da COVID-19 veio descortinar, novamente, a falta de recursos humanos,  a falta de formação dos profissionais que prestam cuidados aos utentes e para a insuficiência dos mecanismos de proteção deste grupo populacional, cujos apelos feitos pelo setor social têm sido constantemente ignorados.

 

A propósito dos lares ou das casas de acolhimento que se encontram na clandestinidade existem três fatores que favorecem o seu crescimento que se prendem com a falta de vagas nos lares que oferecerem todas as condições mas que implicam um custo mais elevado, com a ausência do pagamento de impostos e com a presença de trabalhadores em situação precária.

Tudo isto contribui para que os mais de 2.000 estabelecimentos nesta situação que acolhem cerca de 35.000 pessoas idosas tenham uma estimativa de lucro na ordem dos milhões de euros anualmente, fazendo desta atividade um negócio muito lucrativo sem grandes custos associados.

Os meios do Instituto da Segurança Social, I.P, são escassos para fiscalizar e determinar o encerramento das estruturas residenciais para idosos (ERPI) sendo que só 10% dos lares clandestinos identificados pelo mesmo organismo são encerrados.

Mesmo depois de ser determinado o seu encerramento em grande parte, diga-se por razões administrativas, referentes à falta de licenciamento, o prazo de 30 dias concedido pela Segurança Social para o encerramento do espaço dá tempo para encontrar outra casa onde colocar os mesmos idosos.

A sociedade parece ter passado do respeito pelos cabelos brancos para encarar a velhice como uma doença social, todavia, erronemente. As pessoas idosas merecem e têm o direito de serem respeitadas e de serem tratadas com toda a dignidade,  cabendo ao Estado  fazer mais e bem melhor pelas pessoas idosas e à sociedade civil não se alhear, afinal parece que muitos ainda não entenderam que não irão permanecer jovens eternamente, o tempo avança contra, portanto, a velhice está ali ao virar da esquina. Ups, só queria relembrar esse detalhe.

Face à ineficácia e inoperância das respostas existentes, urge sanar a inexistência de um articulado legislativo adequado que consagre os direitos inerentes à política da terceira idade e a exigência de investimento em cuidadores, alojamentos e fiscalização, porque falamos de idosos, e não de velhos, porque velhos são os trapos.


Partilhar:

+ Crónicas