Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Os “Diários” do Padre Fontes




Ao completar os 83 anos, quis celebrá-los com o lançamento dos seus “Diários”, um livro, publicado pela Âncora Editora, que ajuda a entender a personalidade singular de um sacerdote que, desde o refúgio das montanhas do Barroso, se tornou um dos mais conhecidos e controversos clérigos do país. “Parece bom rapaz, mas também pode ser o diabo”, assim o apresentou o Reitor ao lançá-lo numa das paróquias onde iniciou o sacerdócio.

António Lourenço Fontes dá agora a conhecer alguns dos seus traços mais pessoais, mostrando como superou, desde os tempos submissos do Seminário, as lutas íntimas, as contradições, as tentações, e, sobretudo, como impôs a si próprio os desafios do Evangelho. “Uma vida destas é de desesperar e de suicídio”, escrevia, num laivo de desalento, o jovem seminarista no seu “Diário”, para, no dia seguinte, auto-reprovar-se: “Nestes dias és pior que um burro. Ele apenas vive para o vício que é o único bem que conhece. Tu ao menos sabes que há outro Bem maior”.

A sua natureza, como reconhece numa das páginas, “é igual à dos maiores santos ou dos maiores diabos e diabretes”. E não hesita em assumir o papel de “bruxo-mor” nos rituais diabólicos do Barroso. Por isso, o Padre Fontes não é, nem nunca foi, um padre como outro qualquer. Rebelde, satírico, respingão, estudioso da cultura do seu povo, cultivador de ciumeiras corporativas, sempre a resistir aos caprichos convencionais das autoridades religiosas, é, acima de tudo, um homem que luta em prol de um Céu na própria Terra. Perto das imperfeições humanas e longe das obsessões clericais.

“Não vás para padre que te capam”, avisavam-no os vizinhos quando ingressou no Seminário. E até o Bispo mais tarde o preveniu: “Vou fazer-te padre, mas tens de mudar a casaca”. Mudou? Não mudou? O melhor é ler os seus “Diários”.

in JN, 14-3-2023






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